Sábado, 6 de dezembro de 2025
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O presidente francês, Emmanuel Macron, reconheceu oficialmente que a França travou “uma guerra” contra Camarões antes e depois da independência dessa ex-colônia, em 1960. Em carta enviada ao presidente camaronês, Paul Biya, divulgada nesta terça-feira (12/08), o líder centrista menciona “violências repressivas” por parte das forças francesas. A iniciativa quebra um tabu e marca uma virada na relação entre Paris e Yaoundé.

“Cabe a mim assumir hoje o papel e a responsabilidade da França nesses acontecimentos”, afirma Macron na carta dirigida a Biya, datada de 30 de julho. No documento, o líder centrista também se compromete a “tornar os arquivos franceses facilmente acessíveis para permitir a continuidade dos trabalhos de pesquisa” sobre a questão.

Na carta, Macron confirma as conclusões de um relatório de historiadores que lhe foi entregue em janeiro. Para o presidente francês, o trabalho “deixou claro que houve uma guerra em Camarões, durante a qual as autoridades coloniais e o Exército francês exerceram violências repressivas de vários tipos”.

O líder centrista utiliza várias vezes a palavra “guerra”, até então ausente do discurso oficial francês sobre a ex-colônia. Macron acrescenta que o conflito continuou após 1960, com o apoio da França às ações conduzidas pelas autoridades camaronesas independentes.

Luta contra movimentos independentistas

O presidente francês anunciou, em julho de 2022, durante visita a Camarões, o lançamento dos trabalhos de uma comissão mista franco-camaronesa com o objetivo de esclarecer a luta da França contra os movimentos independentistas e de oposição em Camarões entre 1945 e 1971.

Presidente da França utilizou termo “guerra” várias vezes, até então ausente do discurso oficial francês sobre ex-colônia
Jacques Paquier/Wikicommons

O relatório elaborado pelo grupo, presidido pela historiadora Karine Ramondy, integra a política de memória do presidente Macron em relação à África. Outras iniciativas semelhantes ocorreram recentemente com Ruanda e Argélia, outras páginas sombrias da política francesa no continente africano.

Segundo Macron, o relatório sobre Camarões e as próximas pesquisas sobre a questão “permitirão continuar construindo o futuro juntos, fortalecendo a relação estreita que une a França e Camarões, com seus laços humanos entre nossas sociedades civis e nossos jovens”. Por outro lado, nenhuma forma de reparação, seja política ou judicial, está prevista por enquanto.

Mais de mil páginas

O relatório, com mais de mil páginas, estuda especialmente a transição da repressão das autoridades coloniais francesas para uma verdadeira “guerra”. O conflito ocorreu no sul e no oeste de Camarões, entre 1956 e 1961. Segundo os historiadores, esses atos de violência causaram “dezenas de milhares de vítimas”.

O relatório ainda destaca que a independência formal de Camarões, em janeiro de 1960, “não representou absolutamente uma ruptura clara com o período colonial”. O então primeiro-ministro Ahmadou Ahidjo, que depois se tornou presidente com apoio da França, instaurou “um regime autocrático e autoritário com o apoio das autoridades francesas, representadas por conselheiros e administradores, que deram carta branca às medidas repressivas adotadas”, dizem os historiadores.

De acordo com dados oficiais do Exército da França, entre 1956 e 1962, cerca de 7.500 “combatentes” foram mortos em Camarões por militares franceses. No entanto, a presidente da comissão que elaborou o relatório, Karine Ramondy, afirmou ao jornal Le Monde que esse número está muito aquém da realidade e não leva em conta os civis mortos. “O balanço mais plausível continua sendo de dezenas de milhares de mortos”, avaliou a historiadora.