Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Um conjunto de cartas do século 19, descoberto por acaso no eBay, trouxe novas evidências de como famílias influentes do Reino Unido acumularam riqueza a partir do tráfico e exploração de pessoas escravizadas nas colônias britânicas.

Reportagem publicada no The Guardian traz as descobertas do pesquisador Malik Al Nasir, que encontrou os documentos na plataforma de vendas ao investigar sua origem familiar. Filho de um marinheiro guianense e de uma mãe galesa, ele descobriu ser descendente da família Sandbach, dona da Sandbach Tinne and Company, uma empresa que atuava no comércio de escravizados e de produtos como algodão, açúcar e café, no século 19.

O pesquisador conta que começou a comprar as correspondências no eBay porque “estava incrivelmente frustrado” com a dificuldade de conhecer sua história familiar. “Nada estava indexado ou digitalizado”, relatou. Durante décadas, as cartas foram negociadas entre colecionadores de selos e carimbos raros, tendo seu conteúdo praticamente ignorado pela historiografia.

Reunidas por Al Nasir, agora elas pertencem à Coleção Sandbach Tinne, sob a guarda da Universidade de Cambridge. “Este épico da era imperial estava escondido à vista de todos”, afirmou ao jornal. O resultado de 20 anos de pesquisa foi publicado no livro “Searching for My Slave Roots” (William Collins, 2025).

A partir das correspondências e de suas pesquisas, Nasir relata como as dinastias empresariais de Lancashire construíram suas fortunas com a escravidão na Guiana, então colônia inglesa na América do Sul. Entre as famílias citadas está a do ex-prefeito de Liverpool, Samuel Sandbach (1769-1851) e a do primeiro-ministro britânico vitoriano William Gladstone (1809-1898).

Cartas encontradas no eBay pelo pesquisador Malik Al Nasir revelam histórias de família britânicas que enriqueceram com escravidão
Universidade de Cambrigde

‘Janela única’

Os documentos, aponta, “abrem uma janela única para o mundo deles” e mostram como a escravidão e a economia das “plantations” estava entrelaçada à Revolução Industrial e ao poder dos chamados “mercadores das Índias Ocidentais”.

Al Nasir conta que após a abolição da escravidão na Guiana, em 1833, essas famílias foram as maiores beneficiárias de indenizações pagas pelo governo britânico. Um processo semelhante ao ocorrido no Brasil que em vez de pagar as vítimas da escravidão, beneficiou seus executores.

O livro de Al Nasir também resgata a história de figuras icônicas como a de Jack Gladstone, que foi escravizado e liderou a rebelião de Demerara em 1823 com uma estratégia de não violência; e a do reverendo John Smith, missionário metodista que “descreveu com precisão a brutalidade infligida aos escravizados em Demerara, chocando a consciência cristã”. A partir daí, relata Al Nasir, a abolição na Guiana ganhou “um impulso incrível”.