‘Pacote dos EUA para desarmar Hezbollah é diretamente influenciado por Israel’, afirma professor
Projeto repassaria US$ 230 milhões para as instituições de segurança libanesas; acadêmico Danny Zahreddine considera objetivo ‘completamente irrealista’
De acordo com uma reportagem da Reuters, o governo dos Estados Unidos aprovou um pacote de ajuda de US$ 230 milhões para as instituições de segurança libanesas, com o objetivo declarado de garantir o desarmamento do Hezbollah. Uma fonte local indicou que US$ 190 milhões serão destinados às Forças Armadas Libanesas e os US$ 40 milhões restantes, às Forças de Segurança Interna.
Para o professor Danny Zahreddine, da pós-graduação em Relações Internacionais da PUC-Minas, a meta de desarmar o Hezbollah em 120 dias é “completamente irrealista, dada a sólida estrutura social, econômica e militar do grupo”. Ele contextualiza que a desmilitarização já estava prevista no Acordo de Taif de 1989, um pacto nacional para encerrar a guerra civil e reformar o sistema político. “Esse era um acordo nacional para repensar o Líbano desde aquele momento”, afirmou.
Segundo o acadêmico, a questão do desarmamento é discutida há quase 30 anos. Embora o investimento norte-americano possa parecer um projeto para enfraquecer o Líbano, o docente argumenta que o apoio financeiro é fundamental para criar uma força estatal capaz de lidar com a situação. “O governo libanês não tem força e continua como um Estado anormal”, explicou. “É uma ajuda militar menor do que a que o próprio Hezbollah recebia do Irã, mas que é fundamental”.
O Líbano é uma nação dividida em 18 comunidades étnico-religiosas. Zahreddine explica que, até a década de 1990, os partidos políticos libaneses possuíam braços armados, como o Partido dos Druzes e as Forças Libanesas. Atualmente, o Hezbollah e o partido xiita Amal são os únicos que resistem ao desarmamento.
“A maior parte do povo libanês vê com bons olhos o desarmamento, porque traz o Estado para uma normalidade”, justificou Zahreddine. Isso porque, até os anos 1990 os “partidos políticos do Líbano tinham um braço armado e político”, por exemplo o Hezbollah, Kataeb, a Lebanese Forces, entre outros.
“Eles vão ter que depor as armas e se transformar em apenas partidos políticos só. Então, isso vai acontecer com o Hezbollah. Seu braço armado seja desmobilizado, para que o país possa voltar à normalidade e o direito legítimo de uso da violência fique somente com o exército e o Estado libanês”, acrescentou.
O especialista prevê que o maior descontentamento virá da comunidade xiita, que perderá protagonismo. A pressão externa, agravada pela “condição econômica deplorável do Líbano”, é apontada como um fator legítimo contra a permanência da militarização do grupo.
Enfraquecimento do Hezbollah
Um ponto de virada foi a morte do secretário-geral do Hezbollah, Hassan Nasrallah, em setembro de 2024, que desestabilizou profundamente a organização. “A forma como Israel conseguiu, pela estratégia da decapitação, cortar a cabeça de quase todos os primeiros escalões do Hezbollah, desarticulou a capacidade do grupo de agir”, analisou o professor.
Zahreddine afirma que o Hezbollah sempre rejeitará o desarmamento, pois seu poder deriva justamente de ser o principal grupo político-militar do país.

Acordo de Taif de 1989 já previa fim das milícias, mas Hezbollah resiste como resistência por 35 anos
Nadim Kobeissi / Wikimedia Commons
No entanto, seu enfraquecimento militar, acelerado pela guerra com Israel e pela perda de sua liderança, cria as condições para que isso se torne viável. Ele cita que o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, classificou o assassinato de Nasrallah como um objetivo militar máximo, capaz de gerar um “efeito dominó” contra o eixo de resistência.
“Isso revela a importância que o Hezbollah tinha na região, com como um elemento de pressão contra Israel e como que a sua desarticulação muda por completo as relações de poder no Oriente Médio. Mudam no sentido de fortalecer Israel e os Estados Unidos na região, o que força o próprio governo libanês a poder mudar de postura também”, afirma o docente.
Ocupação de Israel no Líbano
A influência de Israel no processo é direta. “Quando a gente vê o dia 7 de outubro de 2023, o problema com o Hamas, e como o Hezbollah se transforma no ponto de pressão no norte do território, se torna um problema para o governo israelense”, explicou. O desarmamento do grupo significaria uma redução significativa das ameaças a Israel.
Os contínuos ataques israelenses no sul do Líbano, uma região onde o Hezbollah não deveria operar segundo resoluções da ONU, são uma forma de pressionar o governo libanês. “Essas ações são com intuito de dar ao governo libanês estímulo para continuar fazendo o que tem feito e um recado de que o governo israelense não vai parar de pressionar até que ele seja desarmado”, pontuou.
“O Hezbollah foi muito importante para poder retirar as forças israelenses do território, durante a segunda invasão em 1982. Mas quando eles saem em 2000, naquele momento já era a hora do desarmamento. Entretanto, era um momento em que a força militar estava muito poderosa e com um apoio popular forte, para além dos xiitas, o que dificultou o seu desarmamento. Após isso, outros conflitos aconteceram, principalmente em 2006, conhecido como a Guerra de Julho, e que fortaleceu o Hezbollah, a partir de vitórias táticas importantes contra Israel“, Danny explica o contexto geopolítico, uma vez que criação do grupo foi “para pressionar” o Estado israelense.
Líbano e o mundo árabe
O professor também situa o Líbano no tabuleiro geopolítico mais amplo. Com o enfraquecimento da Síria e do Irã, patrocinadores tradicionais do Hezbollah, e a reaproximação entre Teerã e Riad, o cenário regional mudou. “O Líbano com o Hezbollah desarmado definiria o equilíbrio de poder regional”, concluiu, fortalecendo a posição de Israel, dos EUA e de seus aliados, e forçando uma mudança de postura do próprio governo libanês.
“O Hezbollah era um dos grupos que mais impunha, junto com Hamas, problemas a Israel. Então, desmobilizar seria essencial para que Israel pudesse ter mais controle das suas fronteiras, da sua política regional e os Estados Unidos sabem, principalmente porque o movimento de resistência libanês é uma força muito próxima do governo iraniano”, explicou.
Em decorrência da guerra dos 12 dias, Teerã mudou seu status e enfraqueceu, buscando um novo diálogo com os Estados Unidos. “Em razão disso, o Líbano tem um papel importante na geopolítica do Oriente Médio para os norte-americanos e Israel. Por Beirute representar uma força que se manifesta regionalmente devido à influência iraniana ou síria — hoje, ambas debilitadas”.
Após a queda de Bashar al-assad do governo sírio (2000-20024), “a Síria agora é um país antipersa e anti-Hezbollah” favorecendo a Arábia Saudita, Israel e Estados Unidos, “mudando completamente a realidade com o Líbano”, além do próprio Irã também “perder a capacidade de alimentar os quadros do Hezbollah” após o fim do regime de al-assad.
Em contrapartida, há outra questão: “o Líbano com o Hezbollah desarmado definiria o equilíbrio de poder regional, particularmente na relação com Israel e na disputa entre Irã e Arábia Saudita”. Desde o início do governo de Joe Biden, a relação entre Teerã e Riade “está mais equacionada”, da mesma forma como a China buscou reaproximar ambos governos, que hoje fazem parte do BRICS.
Danny Zahreddine conclui relembrando que hoje não há mais um antagonismo tão violento entre a Arábia Saudita e o Irã e com o enfraquecimento regional do Hezbollah, gera impactos nessas relações.























