Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Mahmoud Ali Ali, de 54 anos, chora ajoelhado diante da padaria improvisada que sustentava sua família até ser destruída. O sírio alauíta, de Tartus, no noroeste do país, contemplava, em desespero, o que restava de seu empreendimento, arrasado por bombas israelenses.

“Preciso que o mundo saiba o que está acontecendo aqui”, desabafou à reportagem de Opera Mundi. “Alguém precisa falar com o governo de Israel e parar os bombardeios. Crianças estão morrendo. As pessoas estão mortas de fome. Não temos casa. Não temos nada.”

‘Não temos casa. Não temos nada’, disse Mahmoud Ali Ali após a padaria que tinha em Tartus ser destruída

Mahmoud se referia especialmente aos bombardeiros israelenses iniciados em 16 de dezembro, reduzindo seu negócio a escombros. Na madrugada daquele dia, Israel lançou uma ofensiva massiva à província de Tartus. Nessa região também fica uma base militar russa, na costa mediterrânea, até agora poupada por Benjamin Netanyahu.

O jornal libanês Al Mayadeen comparou a intensidade do ataque à bomba atômica sobre Hiroshima, em 1945, causando um tremor semelhante a um terremoto, sentido por moradores locais. Os alvos prioritários parecem ter sido bases militares, como os depósitos de mísseis em Marsahin e Bmalikah, visitados pela reportagem de Opera Mundi.

Em ambos lugares, era significativa a presença de combatentes do Hayat Tahrir al-Sham (HTS), a nova força governista. Os membros do grupo contaram à reportagem que foram alocados naquelas repartições logo após os ataques israelenses.

Pouca coisa havia ficado de pé. O arsenal do antigo regime tinha sido devastado, sobrando apenas algumas munições espalhadas ruínas. No chão, por todos os lados, encontravam-se cartuchos vazios de origem russa, um testemunho do apoio bélico prestado por Moscou ao ex-presidente sírio Bashar al-Assad.

De acordo com o Observatório Sírio para Direitos Humanos (SOHR), nos 10 dias que se seguiram à queda do governo anterior em 8 de dezembro, com a tomada do poder pela coalizão liderada pelo HTS, Israel conduziu cerca de 500 ataques ao território sírio, além de ocupar novas áreas nas Colinas de Golã, violando o acordo de paz assinado em 1974.

Membros do HTS foram deslocados para região após ataques de Israel; ao lado, projétil russo

“Por que explodem o povo se o governo Assad já foi removido?”, perguntou Ismail Adnan, morador de Marsahin, nos arredores de Tartus, que teve sua casa drasticamente afetada pelos bombardeios das forças israelenses. “Ninguém sabe o que vai acontecer com o HTS no poder, mas os ataques de Israel precisam cessar.”

As agressões militares sionistas agravam o medo sofrido pela população alauíta na região noroeste da Síria. O próprio Assad professa essa confissão religiosa, um ramo do islamismo xiita que é seguido por 11% da população, majoritariamente sunita. Boa parte da elite do antigo regime tem a mesma origem. Os alauítas foram, de certa forma, os protégés do velho governo, desfrutando de regalias e liberdades superiores aos demais grupo religiosos.

Ismail Adnan, morador de Marsahin, teve casa afetada pelos bombardeios de Israel

Com o fim da era Assad, o vácuo de poder está sendo gradualmente ocupado por líderes e militantes do HTS, cujas fileiras são predominantemente relacionadas com o salafismo e o jihadismo, frações do fundamentalismo muçulmano que se fizeram mundialmente famosas com a al-Qaeda e o Estado Islâmico. Esses grupos sempre pregaram e praticaram abertamente a perseguição e a morte de quem não partilhasse suas crenças.

Por isso os alauítas têm medo. Sentem-se vulneráveis. As bombas israelenses reforçam esse sentimento e a percepção de que o novo governo nada fará para socorrê-los se os ataques continuarem.