Sábado, 6 de dezembro de 2025
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De acordo com o jornalista investigativo Eric Salerno, o serviço de inteligência israelense Mossad esteve envolvido no sequestro e assassinato do ex-primeiro-ministro italiano Aldo Moro, executado em 1978 pela organização de esquerda Brigadas Vermelhas. Moro, reconhecido por sua postura pró-palestina, teria se tornado um empecilho para interesses que desejavam manter a Itália firmemente alinhada ao bloco ocidental.

Salerno, que cobriu os principais políticos italianos e publicou o livro “Mossad Base Italy” (2010), sustenta que o Mossad monitorou e influenciou as Brigadas Vermelhas desde o princípio. Em declarações ao The Grayzone, ele citou o testemunho de Alberto Franceschini, integrante do grupo, que confirmou o contato israelense e relatou a oferta de “armas e apoio” como parte de uma iniciativa para “desestabilizar” a Itália.

O sequestro de Moro em Roma, em 16 de março de 1978, foi executado com precisão profissional, resultando na morte de seus guarda-costas. Após 55 dias em cativeiro, o estadista foi assassinado quando o governo se recusou a negociar. O caso, nunca completamente solucionado, permanece como um dos capítulos mais sombrios dos “Anos de Chumbo”.

O “Lodo Moro” e a quebra da neutralidade italiana

Um aspecto crucial do legado de Moro foi o “Lodo Moro” – um acordo secreto com grupos palestinos, mediado pelo líbio Muammar Kadafi, que permitia à OLP atuar na Itália em troca da não realização de atentados no país. Este pacto, estabelecido em 1973, quando Moro era chanceler, refletia sua busca por autonomia em relação ao bloco ocidental, especialmente após o embargo do petróleo árabe.

A iniciativa incluíra a libertação de combatentes palestinos detidos ao tentarem atacar uma aeronave israelense. Em retaliação, em novembro de 1973, o avião de transporte Argo 16 – que havia levado esses militantes para a Líbia – caiu em Veneza. O juiz Carlo Mastelloni, que reabriu o processo, afirmou existirem “evidências objetivas” de que a queda foi uma sabotagem israelense, uma mensagem contra as “concessões” de Moro.

A estratégia de tensão e a infiltração do Mossad

Vários magistrados e fontes de inteligência sustentam que o Mossad atuou para transferir o conflito do Oriente Médio para a Itália. Ferdinando Imposimato, magistrado que supervisionou os julgamentos iniciais do caso Moro, concluiu em 1983 que a agência buscou deliberadamente a desestabilização do país para se firmar perante os EUA como o principal aliado no Mediterrâneo.

Franceschini detalhou que o Mossad se ofereceu para financiar as Brigadas Vermelhas, assegurando não buscar controlá-las, mas sim garantir sua simples existência, pois “quanto mais desestabilizada a Itália se tornava, mais Israel se tornava um país confiável” para Washington.

Primeiro-ministro italiano entre os anos 1960 e 1970 havia sido sequestrado pelo grupo de extrema-esquerda Brigada Vermelha

Primeiro-ministro italiano entre os anos 1960 e 1970 havia sido sequestrado pelo grupo de extrema-esquerda Brigada Vermelha
Wikimedia Commons

Outras fontes reforçam o envolvimento israelense

Giuseppe De Gori, advogado do partido de Moro, testemunhou que o Mossad “sempre controlou” as Brigadas Vermelhas e que um coronel da agência chegou a se encontrar com a organização em 1973, oferecendo armas e suporte. De Gori afirmou que a decisão de executar Moro após quase dois meses de cativeiro contou com “intervenção indireta” de Israel, que teria inclusive forjado uma carta das Brigadas Vermelhas declarando a morte do político antes do ocorrido.

Giovanni Galloni, ex-vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura, revelou que Moro temia a infiltração de serviços dos EUA e de Israel nas Brigadas Vermelhas. Galloni destacou a perícia dos atiradores no sequestro, sugerindo a participação de profissionais que não integravam o grupo.

Em 2017, o ex-magistrado Luigi Carli declarou que as Brigadas Vermelhas foram “cofinanciadas” pelo Mossad, com o objetivo de enfraquecer a Itália para ampliar a influência israelense na região.

Comitê de resgate sabotado e paralelos com a Gladio

O ex-general Roberto Jucci, encarregado de treinar uma força de resgate, acredita que o comitê oficial para libertar Moro foi deliberadamente sabotado. Ele revelou que o grupo era assessorado por um enviado dos EUA e composto em grande parte pela loja maçônica P2 – ligada à Operação Gladio –, que desejava ver Moro “destruído política e fisicamente”. Documentos britânicos desclassificados confirmam que as investigações “negligenciaram deliberadamente” pistas que poderiam ter salvado Moro.

Contexto atual: do silêncio à submissão

Salerno critica o atual governo de Giorgia Meloni, que descreve como uma “extensão do antigo regime fascista”. Ele argumenta que a Itália perdeu sua tendência pró-árabe e, por consequência, Washington e Tel Aviv não veem mais a necessidade de desestabilizá-la. A relação de inteligência entre as nações permanece ativa, como evidenciado pelo incidente do Lago Maggiore em 2023, quando uma embarcação naufragou com espiões israelenses e italianos a bordo.

Segundo Salerno, a capacidade do governo de criticar Israel é limitada por um sentimento de culpa histórica pelo Holocausto, apesar de o que ocorre em Gaza ser “excepcional”. No entanto, ele observa que, por anos, “nada foi ensinado ou dito na Itália sobre o drama palestino”, situação que mudou apenas recentemente com os protestos em massa.