Sábado, 6 de dezembro de 2025
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O escritor palestino Basim Khandaqji, vencedor do Prêmio Internacional de Ficção Árabe de 2024 pelo romance Uma Máscara, A Cor do Céu, conta à Al Jazeera o que foram os 21 anos que ele passou nas prisões israelenses.

Khandaqji é um dos 250 presos condenados à prisão perpétua que foram soltos recentemente no acordo de cessar-fogo, intermediado pelos Estados Unidos. Ele segue impedido de retornar a Nablus e aguarda, no Egito, o encontro com seus familiares. “Ainda sinto como se estivesse sonhando e tenho medo de acordar e me encontrar de volta em uma cela”, disse.

Ele descreveu a noite de sua libertação como “aterrorizante”. Ele contou que seu corpo tremia porque ele “sabia que o momento da liberdade finalmente havia chegado“. Ao sair da prisão, porém, o seu ônibus pegou outro destino e ele entendeu que não retornaria a Nablus.

“Ser exilado da sua terra natal é uma sensação dolorosa e ardente. Minha primeira alegria, minha primeira tristeza e meus primeiros sonhos foram todos na minha cidade, Nablus. Os palestinos, ao contrário de outros, não vivem em sua terra natal – sua terra natal vive dentro deles”, afirmou.

Khandaqji era um jovem de 21 anos quando foi preso pelas forças israelenses em 2004. Ele foi acusado de integrar uma “célula militar” e de ter envolvimento em um ataque suicida. A confissão, relatou, foi forçada. “O advogado me disse que eu tinha que assinar uma confissão… para que três jovens pudessem ser poupados da prisão perpétua”, relatou.

Romancista palestino libertado relata os anos de prisão em Israel
Prêmio Internacional de Ficção Árabe

Sua condenação resultou em três sentenças de prisão perpétua. Desde então, Khandaqji percorreu boa parte das 19 prisões israelenses que mantêm palestinos detidos. Ele enfrentou a solitária, transferências constantes e tratamentos degradantes. “Existem políticas deliberadas de fome, abuso, tortura psicológica e física, humilhação constante e negligência médica intencional”, afirmou.

Em meio ao terror, a literatura se tornou sua forma de sobreviver. Khandaqji escreveu seus livros às escondidas e fez greves de fome para obter canetas e cadernos, além de contrabandear os manuscritos com ajuda de advogados ou visitantes, relatou à Al Jazeera. “Escrever me deu um refúgio, um esconderijo através do qual eu podia escapar da brutalidade da prisão e recuperar minha liberdade, mesmo que apenas na minha imaginação”, relatou.

Prisão

Segundo o romancista, após o 7 de outubro, os prisioneiros passaram a morrer “com uma regularidade chocante” nas prisão. Ele salientou que os guardas adotaram “novos métodos horríveis” de violência e intimidação.

“Os presos viram guardas pendurando corpos de prisioneiros mortos nas celas e deixando-os lá, em decomposição”, relatou, ao acrescentar ter ouvido relatos e testemunhado situações que o marcarão para sempre. “A principal estratégia usada pelas autoridades para libertar os prisioneiros era a fome”, relatou, ao citar também os espancamentos constantes e a privação de roupas ou de qualquer aquecimento durante o inverno rigoroso.

Khandaqji mencionou a solidariedade dos presos palestinos que recebeu na prisão. Ele contou sobre a morte de seu amigo próximo, o escritor Walid Daqqa, vítima de câncer após o que descreve como “negligência médica deliberada” dentro da prisão.

E destacou, entre os companheiros que o ajudaram, o líder político Marwan Barghouti, condenado em 2004 a cinco penas de perpétua somando mais de 40 anos de prisão. “Marwan Barghouti é um grande homem. Se fosse libertado, poderia se tornar uma figura unificadora nacional”, afirmou.

Como destaca a agência catari, Barghouti é frequentemente comparado ao líder antiapartheid sul-africano Nelson Mandela, devido à popularidade que detém entre os palestinos. No mês passado, aos 66 anos, ele foi espancado até ficar inconsciente pelas autoridades da prisão israelense.

“A violência em todas as suas formas é desumana. Como seres humanos, deveríamos primeiro tentar resolver nossos problemas por meios pacíficos e civilizados. Mas quando alguém tenta te apagar – te aniquilar – sua luta se torna uma luta pela existência”, disse o escritor à Al Jazeera.

Uma Máscara, A Cor do Céu

Quando Uma Máscara, A Cor do Céu foi pré-selecionado ao prêmio literário, o ministro israelense Itamar Ben-Gvir exigiu o endurecimento das condições de sua detenção, enquanto setores da extrema direita de Israel chegaram a pedir a sua execução.

O livro conta a história de Nur, um arqueólogo palestino que encontra a identidade de um israelense chamado “Ur” no bolso de um casaco velho. Assumindo a identidade do israelense, ele se junta à uma escavação arqueológica em um assentamento ilegal. O romance mostra diferença da vida limitada do palestino Nur em contraste com a liberdade de Ur, que agora pode a ir a qualquer lugar.

O sucesso da obra rendeu ao escritor um prêmio de US$ 50 mil e o romance foi traduzido para diversos países.  A premiação internacional publicou uma nota comemorando a soltura do romancista.

“O Prêmio Internacional de Ficção Árabe comemora a libertação do autor palestino Basim Khandaqji da prisão israelense após 21 anos de cativeiro. Parabenizamos você, Basim, mais uma vez por ganhar o prêmio de 2024 com seu romance “Uma Máscara, a Cor do Céu” e lhe desejamos sucesso e conquistas contínuos que enriquecem o mundo da ficção árabe, diz o texto.