Reino Unido se prepara para retomar ajuda humanitária a Gaza por via aérea
ONGs argumentam que suprimentos poderiam ser entregues por via rodoviária caso o exército israelense permitisse
O Reino Unido indicou estar se preparando para enviar ajuda humanitária à população de Gaza e evacuar “crianças que precisam de assistência médica”, informou um porta-voz do governo neste sábado (26/07), um dia após Israel anunciar que permitirá que países estrangeiros enviem ajuda humanitária à Faixa de Gaza por via aérea. Paris, Berlim e Londres exigiram que o governo israelense “suspenda imediatamente as restrições ao envio de ajuda”.
“O primeiro-ministro (Keir Starmer) explicou como o Reino Unido implementará planos para trabalhar com parceiros como a Jordânia, a fim de transportar ajuda aérea e evacuar crianças que precisam de assistência médica”, disse o porta-voz, em comunicado divulgado após uma conversa telefônica entre Keir Starmer, o presidente francês, Emmanuel Macron, e o chanceler alemão, Friedrich Merz.
Israel enfrenta crescente pressão internacional devido à grave situação humanitária em Gaza. Em maio, o país aliviou parcialmente o bloqueio total imposto ao enclave palestino no início de março, o que provocou uma escassez crítica de alimentos, medicamentos e outros bens essenciais.
De acordo com o Programa Mundial de Alimentos (PMA), agência da ONU responsável pela ajuda alimentar, cerca de um terço dos habitantes da Faixa de Gaza passa dias sem comer. Na sexta-feira, uma autoridade israelense disse à AFP que o envio de ajuda humanitária seria retomado rapidamente no território, devastado por mais de 21 meses de guerra e ameaçado pela fome.
Esses envios devem ser realizados “sob a coordenação dos Emirados Árabes Unidos e da Jordânia”, afirmou a fonte, sob condição de anonimato.
Distribuição por via aérea é arriscada
A fome está se espalhando no enclave, já que a ajuda humanitária que chega por terra é insuficiente. Israel alega que as agências da ONU não estão garantindo a distribuição adequada de alimentos e outros mantimentos – e foi nesse contexto que decidiu autorizar um meio controverso de entrega: o envio aéreo.
No ano passado, os exércitos dos Estados Unidos, Jordânia, Egito e França, entre outros, lançaram dezenas de milhares de suprimentos alimentares por meio de pacotes com paraquedas lançados de aviões. No entanto, essa opção é considerada polêmica por profissionais da ajuda humanitária, que argumentam que os suprimentos poderiam ser entregues por via rodoviária, caso o exército israelense permitisse.

ONG Première Urgence Internationale classificou o anúncio de Tel Aviv como “uma farsa”
URWA
Além de ser uma solução cara e limitada, que atende apenas parcialmente às necessidades da população de Gaza, as operações aéreas são perigosas. Em diversas ocasiões, lançamentos deram errado e falhas nos paraquedas causaram acidentes em terra. Pelo menos cinco palestinos morreram atingidos pelos pacotes, e outros se afogaram ao tentar recuperar caixas que caíram no mar.
Primeiros lançamentos aéreos nos próximos dias
No início de março, Israel impôs um bloqueio total à Faixa de Gaza, parcialmente suspenso no final de maio. O bloqueio provocou escassez severa de alimentos, medicamentos e combustível, gerando críticas contundentes da comunidade internacional, especialmente em relação ao agravamento da fome nos territórios palestinos.
Segundo autoridades israelenses, a Jordânia deve realizar o primeiro lançamento aéreo, possivelmente já neste fim de semana. Os Emirados Árabes Unidos, juntamente com outros países, podem seguir o exemplo nos próximos dias.
As distribuições de ajuda ocorrerão em coordenação com o exército israelense, que confirmou à Agence France-Presse a retomada dos lançamentos aéreos, mas sem a participação da ONU ou de organizações humanitárias reconhecidas, que foram excluídas da distribuição por dois meses.
“Outra farsa”
A ONG Première Urgence Internationale, cujas equipes nos territórios palestinos não foram notificadas pelas autoridades israelenses sobre a retomada dos lançamentos aéreos, classificou o anúncio de Tel Aviv como “uma farsa”.
“Um lançamento aéreo não é um avião que pousa em um aeroporto, onde podemos buscar a carga. São aviões que lançam pacotes em praticamente qualquer lugar, e os pacotes chegam esmagados ao chão — isso quando não atingem pessoas”, afirma Elsa Softic, assistente da diretoria de operações da organização.
“Há milhares de caminhões estacionados no ponto de entrada de Gaza, que podem entrar no território pelas vias normais. Não entendemos essa farsa e, obviamente, a denunciamos”, disse a agente humanitária.
O Programa Mundial de Alimentos alertou na sexta-feira que cerca de um terço dos habitantes da Faixa de Gaza não come há dias e que a desnutrição está aumentando.
“A crise alimentar em Gaza atingiu níveis de desespero sem precedentes. Quase uma em cada três pessoas não come há vários dias. A desnutrição está aumentando acentuadamente, com 90 mil mulheres e crianças precisando de tratamento urgente”, afirmou o PMA em comunicado à AFP.
Segundo a organização, 470 mil pessoas devem enfrentar uma “fome catastrófica” entre maio e setembro no território palestino, sitiado por Israel.
“Crise moral”
O secretário-geral da ONU, António Guterres, criticou nesta sexta-feira a falta de “humanidade” e “compaixão” em relação aos palestinos em Gaza.
“Desde o início, condenei repetidamente os horríveis ataques do Hamas em 7 de outubro. Mas nada pode justificar a explosão de morte e destruição que presenciamos desde então. A escala e o alcance estão além de tudo o que já vimos na história recente”, afirmou.
“Não consigo explicar o nível de indiferença e inação que vemos em muitos na comunidade internacional. A falta de compaixão. A falta de verdade. A falta de humanidade”, disse Guterres, em discurso por vídeo durante reunião da Anistia Internacional.
O secretário-geral relatou que crianças palestinas dizem “que querem ir para o céu porque lá, pelo menos, há comida”. “Esta não é apenas uma crise humanitária. É uma crise moral que desafia a consciência global. Continuaremos a nos manifestar em todas as oportunidades, mas palavras não alimentam crianças famintas.”
Guterres também denunciou a morte de “mais de 1.000 palestinos enquanto tentavam obter alimentos” desde 27 de maio, quando a Fundação Humanitária de Gaza (GHF), com a qual a ONU se recusa a trabalhar, passou a operar.
Distribuições cada vez mais difíceis
Na terça-feira (22), a ONU acusou o exército israelense de matar mais de 1.000 pessoas que tentavam obter ajuda humanitária em Gaza. Há vários meses, a Fundação Humanitária de Gaza (GHF), organização de financiamento opaco apoiada por Israel e pelos Estados Unidos, é responsável pela distribuição de ajuda no enclave.
A GHF tem sido criticada por organizações internacionais e pela própria ONU, acusada de transformar a ajuda humanitária em instrumento político em benefício de Israel.
“Dos 400 antigos pontos de distribuição, apenas quatro permanecem funcionando. E, embora os moradores de Gaza sofram de desnutrição, suas tentativas de obter alimentos frequentemente terminam em derramamento de sangue”, denunciou Jack Latour, diretora de enfermagem canadense da organização Médicos Sem Fronteiras, que está na Faixa de Gaza há seis semanas.
“As distribuições da GHF são extremamente perigosas. Elas não respeitam de forma alguma os princípios da distribuição de ajuda alimentar”, afirmou.























