Quem é Marwan Barghouti, prisioneiro palestino ‘mais valioso’ de Israel?
Preso desde 2002, ativista cumpre cinco sentenças de prisão perpétua; seu nome foi retirado da lista de trocas do cessar-fogo após coalizão de Netanyahu ameaçar deixar governo
As recentes negociações de cessar-fogo incluíram em sua primeira fase a libertação de 2 mil reféns palestinos em troca de 20 israelenses. Contudo, o nome de Marwan Barghouti, conhecido como o “Mandela palestino”, de maior perfil político atualmente detido em Israel, foi retirado da lista de troca horas antes da implementação do acordo, em 10 de outubro, por uma decisão unilateral do gabinete do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, pressionado pela coalizão de extrema direita.
Em setembro, Opera Mundi conversou com exclusividade com o irmão mais novo, Mogbel Barghouti, que descreveu a trajetória de Marwan como liderança palestina e analisou a popularidade que ainda hoje carrega, figurando como primeiro colocado em pesquisas de opinião para a Presidência da Palestina.
Marwan Barghouti está preso desde 2002, cumprindo cinco sentenças de prisão perpétua após uma condenação anunciada pelo tribunal israelense pelo suposto envolvimento em ataques durante a Segunda Intifada que, de acordo com o regime sionista, teriam resultado na morte de cinco israelenses. Todas essas alegações, porém, são contestadas e rejeitadas por ele.
Nascido em 6 de junho de 1959 na aldeia de Koba, vilarejo na Cisjordânia a 10 quilômetros de Ramallah, Marwan Barghouti teve a sua trajetória política iniciada logo na juventude. Filho de trabalhador, o jovem tinha acabado de completar oito anos de idade quando Israel começou seu projeto de ocupação em sua terra natal em meio à guerra árabe-israelense de 1967. De acordo com os relatos de seu irmão mais novo, a consciência política de Barghouti foi formada quando criança: aos 11 anos, viu soldados israelenses atirarem em seu cachorro.
Foi na adolescência que o palestino se juntou ao Fatah (acrônimo transliterado de “Movimento de Libertação Nacional da Palestina”), o grupo fundado e liderado por Yasser Arafat. O Fatah se diferenciava das demais organizações independentistas palestinas por ser formalmente independente dos demais países árabes e dos movimentos religiosos islâmicos, definindo-se como um partido nacionalista, laico e de centro-esquerda. A organização, composta por estudantes, guerrilheiros e lideranças populares, rechaçava a “solução de dois Estados” referendada pela Resolução 181 das Nações Unidas (ONU) e questionava a legitimidade da criação do Estado de Israel.
Em 1967, o Fatah se filiou à Organização para a Libertação da Palestina (OLP), uma frente política e paramilitar congregando legendas da esquerda palestina. Então o grupo se tornaria a força hegemônica dentro da OLP, conquistando a maioria dos assentos do Comitê Executivo.
Sua primeira prisão por autoridades israelenses ocorreu aos 18 anos, sob a acusação de participar de atividades insurgentes. Após sua libertação em 1983, cursou história e ciência política na Universidade de Birzeit, onde se tornou um ativista estudantil proeminente e ascendeu dentro do Fatah. Em decorrência disso, enfrentou outras prisões antes que o regime sionista determinasse a sua deportação para a Jordânia em 1987. Meses depois, em dezembro daquele ano, iniciou-se a Primeira Intifada, que continuaria por cinco anos. Após o exílio, apenas em 1993, seu retorno à Cisjordânia foi negociado no contexto do Acordo de Paz de Oslo subscrito por Arafat.
Segunda Intifada
Em 1994, Barghouti emergiu como figura de destaque dentro do Fatah, tornando-se deputado de Arafat. O movimento de resistência seguia em fase de negociação para o processo de paz com as autoridades sionistas, porém, Israel não honrou os compromissos e deu continuidade à expansão dos assentamentos em terras palestinas.
O assassinato de dezenas de muçulmanos por um terrorista israelense durante o Massacre do Túmulo dos Patriarcas e a subsequente repressão brutal aos manifestantes palestinos também minaram o apoio público ao Acordo de Paz. A trégua durou pouco tempo.
A nomeação de Benjamin Netanyahu para o cargo de primeiro-ministro de Israel também intensificou o conflito entre os dois países. Com o fracasso nas negociações, a Segunda Intifada foi iniciada em setembro de 2000, que duraria cinco anos.
Em meio aos confrontos entre militares israelenses e grupos palestinos, incluindo ataques das Brigadas dos Mártires de Al-Aqsa, Barghouti tonrou-se alvo principal do regime sionista. Ex-membro do Conselho Revolucionário do Fatah durante a Segunda Intifada, Ahmad Gloneim, contou ao portal de notícias Middle East Eye (MEE) que nessa época “Barghouti começou a ser visto como uma figura muito próxima do povo palestino”.
“Ele não era o tipo de líder que poderia gastar seu tempo viajando de capital em capital. Ele liderou manifestações de camiseta e calça e era amplamente visto como um homem de família e um cidadão normal”, disse Gloneim.
Em 2002, Barghouti foi rastreado por meio de uma escuta telefônica em operação da inteligência israelense e preso. Julgado em um tribunal de Israel, Barghouti foi condenado por planejar ataques fatais e sentenciado a cinco penas de prisão perpétua por assassinato. No entanto, o ativista nega o controle das Brigadas dos Mártires de Al-Aqsa, uma aliança de grupos militares ligados ao Fatah.
Organizações de direitos humanos e o inquérito da União Interparlamentar apontaram que o julgamento de Barghouti apresentou “numerosas violações do direito internacional”. Leitor de direito público na Escola de Estudos Orientais e Africanos de Londres e editor-chefe do Anuário de Direito Internacional da Palestina, Nimer Sultany disse ao MEE que Barghouti enfrentou um julgamento político.
“O julgamento de Barghouti destacou a criminalização da resistência palestina pelo sistema legal israelense e sua luta pela liberdade da ocupação e do apartheid. Embora Barghouti fosse o réu, o verdadeiro alvo era Yasser Arafat e a Segunda Intifada. Israel há muito procura estigmatizar líderes e ativistas palestinos sob os rótulos de terrorismo e criminalidade”, disse.

Fotografia de Marwan Barghouti com dois de seus filhos tirada por sua esposa, Fadwa Barghouti
Wikimedia Commons/Fadwa Barghouti
Prisão de Barghouti
Desde sua prisão em 2002, Barghouti passou por períodos em confinamento solitário em instalações de segurança máxima. Em 2017, enquanto estava na prisão de Hadarim, liderou uma greve de fome de presos palestinos para denunciar a violação dos direitos humanos por Israel e exigindo melhores condições carcerárias.
Relatos de familiares e de organizações de direitos palestinas indicam que suas condições na prisão se deterioraram após 7 de outubro de 2023, com a restrição de visita, confisco de comida, água e pertences pessoais. Figuras palestinas de alto escalão chegaram a acusar as autoridades israelenses de sujeitar Barghouti a “isolamento, tortura e tentativas de coagi-lo, humilhá-lo e espancá-lo, colocando sua vida em perigo”.
Em agosto de 2025, um vídeo de 13 segundos divulgado mostrou o ministro da Segurança Nacional israelense de extrema direita, Itamar Ben-Gvir, um dos políticos que rechaçou o atual acordo de cessar-fogo ao defender a erradicação do Hamas, ameaçando Barghouti em sua cela. ““Quem matar nossas crianças e mulheres será eliminado. Você deveria saber disso, foi o que aconteceu ao longo da história”, diz Ben-Gvir ao palestino, na gravação. Tratou-se da primeira aparição de Barghouti em quase uma década.
No começo deste mês, o Escritório de Mídia da Asra, que monitora prisioneiros palestinos, recebeu relatos de que o ativista teria sido espancado por guardas durante uma transferência, chegando a sofrer fraturas nas costelas e ficando inconsciente.
Barghouti defende solução de dois Estados
Em sua última entrevista televisionada, em 2006, ao canal britânico Channel 4 News, Barghouti declarou publicamente defender a solução de dois Estados e a participação do Hamas nas eleições. Ele também condenou os ataques israelenses a civis e o sequestro de jornalistas e estrangeiros, ao mesmo tempo em que reafirmou o que descreveu como o direito do povo palestino de resistir à ocupação.
Sua libertação tem sido uma demanda recorrente do Hamas em negociações de troca de prisioneiros. Mediadores egípcios e catari também apoiaram a inclusão de seu nome nas listas. Por exemplo, durante a troca de prisioneiros de 2011, que garantiu a libertação de Yahya Sinwar, articulador dos ataques de 7 de outubro de 2023, o Hamas também buscou a liberdade de Barghouti, mas Israel recusou.
Fontes da mídia israelense, como o Channel 14, relatam que a libertação do ativista palestino é considerada uma “linha vermelha” para partidos da coalizão governamental de Netanyahu, que ameaçaram deixar o governo se ele fosse solto, incluindo Ben-Gvir.
“Barghouti é talvez o mais valioso de todos os prisioneiros palestinos mantidos por Israel”, escreveu o MEE. Segundo o veículo, o ativista estava previsto para ser libertado pelo acordo de cessar-fogo em vigor, com consenso inclusive do enviado dos Estados Unidos, Steve Witkoff, mas seu nome foi removido unilateralmente pelo gabinete de Netanyahu de última hora.
Enquanto isso, outras figuras públicas israelenses, como o ex-diretor do Mossad, Efraim Halevy, já argumentaram publicamente que Barghouti, devido à sua popularidade e habilidade negociadora, poderia ser uma figura central para um novo processo político.
Atualmente, não há previsão para a libertação de Marwan Barghouti. De acordo com o MEE, “muitos em Israel e na Palestina preferem que ele permaneça na prisão”, por ser considerado “uma ameaça eleitoral ao presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, que é extremamente impopular”.























