Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Na última quinta-feira (13/11), 153 palestinos da Faixa de Gaza aterrissaram em Joanesburgo, na África do Sul. Sem carimbo nos passaportes, eles ficaram cerca de dez horas retidos na pista de aterrissagem do aeroporto OR Tambo. Após intervenção do presidente sul-africano Cyril Ramaphosa, 130 refugiados obtiveram um visto de três meses e o restante seguiu para outros países. O governo sul-africano anunciou que vai investigar o caso.

Mais de 320 palestinos teriam sido retirados de Gaza nos voos de 27 de outubro e 12 de novembro. A operação foi organizada por uma ONG desconhecida chamada Al Majd Europe. “Um amigo me escreveu dizendo: ‘Saí de Gaza graças à Al Majd!’ Então, me inscrevi”, lembra Wessam Bashir, 31 anos. Morador de Deir El-Balah, no centro da Faixa de Gaza, ele conta que a organização propôs levá-lo para a África do Sul por US$ 3 mil. “Aceitei pela minha esposa e meus filhos”.

Depois de enviar os documentos necessários, em 27 de outubro, ele recebeu um telefonema de um número norueguês, avisando que deveria estar em uma área entre Khan Yunis e Rafah dentro de três horas. “Se alguém te parar na rua, diga que está indo com o contingente francês, não com a Al Majd”, orientou o contato.

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Outro passageiro, Ahmed*, 36 anos, que partiu em 12 de novembro, teve de pagar US$ 2 mil por pessoa em criptomoedas para uma conta privada. A maioria dos viajantes afirma ter desembolsado entre US$ 1,4 mil e US$ 2 mil.

Ao chegar ao ponto de encontro, os palestinos embarcaram em um ônibus em direção à passagem de Kerem Abu Salem. As bagagens foram abandonadas por ordem dos soldados israelenses, e eles foram levados para o outro lado da fronteira, após controles de segurança. Outro ônibus os transfere para o aeroporto Ramon, na cidade de Eilat, no sul de Israel.

‘Descobrimos para onde íamos dentro do avião’

Os destinos são variados, contam os palestinos em seus depoimentos. “Eles nos deram papéis e reservas de quarto de hotel, dizendo que eram para nossos vistos. Alguns citavam a Índia, outros a Malásia ou Indonésia. E então nos deram uma passagem de avião. Nela havia apenas um número: 136”, conta Ahmed.

“Descobrimos para onde iríamos dentro do avião de uma companhia romena, a Fly Yo. O comandante anunciou: ‘O voo até Nairóbi durará 4h40’”, continua. A aeronave fez escala no Quênia e depois seguiu para o aeroporto internacional OR Tambo, que atende Joanesburgo e Pretória, na África do Sul.

Ahmed fez parte dos 153 palestinos que ficaram retidos na pista, na quinta-feira (13/11). Sem carimbos de saída do território israelense nos passaportes, as autoridades aeroportuárias recusaram a entrada, cedendo apenas sob pressão de ONGs e ativistas.

ONG misteriosa

Criada em 2010, a Al Majd Europe se apresenta como uma organização humanitária que ajuda comunidades muçulmanas em zonas de conflito. Seu site, porém, surgiu em fevereiro de 2025 e está repleto de imagens que parecem geradas por inteligência artificial.

Organização que oferece serviço a palestinos residentes em Gaza está sendo investigada
Al-Jarmaq News / X

No site aparecem apenas dois membros da organização, identificados pelos primeiros nomes: Adnan e Muayad. O endereço dos escritórios em Jerusalém Oriental está incompleto e cita apenas o bairro de Cheikh Jarrah.

Nos relatos online de pessoas que teriam recebido ajuda da ONG está o de Mona, uma síria de 29 anos. Mas a foto usada vem de um artigo do jornal Middle East Eye do ano passado e mostra uma síria chamada Abeer Khayat, 33 anos.

Segundo o jornal israelense Haaretz, o responsável pela operação é um israelo-estoniano chamado Tomer Janar Lind. De acordo com o veículo israelense de esquerda, o Escritório de Imigração Voluntária, controlado pelo Ministério da Defesa de Israel, teria incumbido essa organização de coordenar as saídas de palestinos de Gaza.

Procurada por e-mail, telefone e WhatsApp, a Al Majd Europe não respondeu à RFI. “Quando vi o site deles, não fiquei convencido”, admite Ahmed. “Mas depois de ouvir por conhecidos que várias viagens tinham dado certo, ficamos motivados apesar de tudo”.

Segundo relatos, outros voos teriam sido organizados pela ONG Al Majd Europe, o que levanta questões sobre o envolvimento de autoridades israelenses, já que os pontos de passagem são controlados pelo COGAT, órgão israelense responsável pelas fronteiras com o território palestino. “Esses residentes deixaram a Faixa de Gaza depois que o COGAT recebeu o acordo de um país terceiro para recebê-los”, comunicou a entidade, sem especificar qual Estado.

Acusações e contexto político

Como a ONG conseguiu organizar essas saídas com a cooperação do exército israelense? “Não havia ninguém do lado palestino quando chegamos. Nem Cruz Vermelha, nem ninguém, só os motoristas”, lembra Wessam. “Vimos dois representantes da Al Majd do lado israelense após os controles, mas só isso. Pareciam palestinos”, acrescenta Ahmed.

“Isso faz parte da estratégia de limpeza étnica de Israel”, acusa Imtiaz Sooliman, da associação Gift of the Givers, que gerencia a recepção dos palestinos na África do Sul.

“Sabemos que há uma vontade estratégica dos israelenses de encorajar a migração, mas vocês precisam entender: nossa saída é uma saída forçada”, lembra Ahmed. “Eles destruíram as infraestruturas de saúde, todo o sistema educacional, as casas… Não há mais emprego. Inevitavelmente, você precisa partir para buscar um futuro melhor”, afirma.

“Gaza é nossa nação, nossa pátria. Não vamos abandoná-la”, explica Wessam, já em Joanesburgo. “Mas, no momento, ninguém tem capacidade psicológica ou material para voltar ao inferno de Gaza”.

Ahmed deixou seus dois pais no enclave. Ele pretende voltar quando houver “um cessar-fogo duradouro e um futuro em Gaza, provavelmente pelo ponto de passagem de Rafah, vindo do Egito”. Um ponto de entrada que, no entanto, continua fechado, em violação à primeira fase do cessar-fogo.

Por enquanto, a associação Al Majd mantém seus serviços e respondeu à mensagem da reportagem, prometendo uma saída de Gaza por US$ 2,7 mil.