Lula pede que ONU reconheça Estado palestino: ‘não podemos assistir o genocídio’
Ao encerrar agenda em Nova York, presidente do Brasil falou sobre relação de Brasília com Washington e sinalizou encontro 'o mais rápido possível' com Trump
O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, declarou nesta quarta-feira (24/09), que “a mesma ONU que teve força para criar o Estado de Israel, precisa ter força para criar o Estado Palestino”.
A fala de Lula foi feita durante coletiva de imprensa no encerramento de sua agenda em Nova York, nos Estados Unidos, onde participou da abertura da 80ª Sessão da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), na última terça-feira (23/09).
O líder brasileiro lembrou que a criação do Estado palestino é defendida pelo Brasil desde 2010. “Para nós, a única solução é a existência de dois estados vivendo harmonicamente”, disse.
Presidente Lula concede entrevista coletiva à imprensa na sede da ONU https://t.co/DGQTXoCat3
— Lula (@LulaOficial) September 24, 2025
“O que não é possível é uma terra demarcada em 1967” esteja sendo ocupada, advertiu, e defendeu que “não podemos assistir o povo palestino ser exterminado”.
“O mundo inteiro já que está tomado da percepção de não há guerra em Gaza, há um genocídio de um exército fortemente preparado [de Israel] contra um povo indefeso [palestinos, sobretudo mulheres e crianças”, disse o presidente brasileiro.
Lula ainda criticou a atuação das Nações Unidas no caso e disse que o genocídio está ocorrendo “porque quem pode parar, não tomou atitude”. “O Conselho de Segurança da ONU poderia ter tomado uma atitude mais forte”, acrescentou.
O líder brasileiro também disse que “há muita gente dentro de Israel que não concorda com o massacre que está acontecendo”, referindo-se a protestos que exigem o fim da ofensiva militar israelense na Faixa de Gaza.
Lula não deixou o Hamas fora de sua fala. Lembrou sua condenação dos ataques em 7 de outubro de 2023 e acusou “irresponsabilidade” do grupo de resistência palestino por “ter feito o que fez e depois deixar o povo ser assassinado”.
Ao comentar a realização da conferência na ONU em prol do reconhecimento do Estado palestino, que reuniu mais de 150 países, Lula reconheceu que foi “tardia”, mas “importante”.
“A partir de agora eu acho que outras coisas vão acontecer até a gente poder ver o povo palestino construir o seu Estado e viver em paz”, declarou.
Com a iniciativa, Lula defendeu que não haja mais a possibilidade do veto no Conselho de Segurança da ONU, que já impediu diversas resoluções de cessar-fogo em Gaza, em especial por decisão dos Estados Unidos, como aliado de Israel.
Possibilidade de reunião com Trump
Durante a coletiva, Lula também disse esperar que seu possível encontro presencial com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, possa elucidar informações incorretas que foram repassadas à Casa Branca, levando à aplicação do tarifaço.
“Acho que ele tem informações equivocadas sobre o Brasil. Espero que coloquemos na mesa nossas diferenças e tomemos decisões. Estou convencido de que as decisões de Trump se devem ao fato da qualidade das informações que ele tinha. Quando ele tiver as informações corretas, ele pode perfeitamente mudar de posição, e o Brasil também”, disse.
Ao comentar sobre os assuntos que seriam tratados no encontro, Lula frisou que a soberania brasileira e a democracia nacional jamais serão negociadas. “O que não podemos discutir é a soberania brasileira e nossa democracia. Isso não é discutível com Trump nem com nenhum presidente do mundo”, disse Lula.
“Quando tiver eleição nos EUA não me meto, e quando tiver eleição no Brasil ele não se mete”, acrescentou, detalhando que a reunião depende da agenda de Trump.
“Não vou antecipar os resultados das futuras conversas. Vou tratá-lo com o respeito que merece o presidente dos EUA e ele vai me tratar com respeito, como presidente do Brasil, dois homens de 80 anos”, acrescentou Lula.
Em relação a negociações sobre terras raras, Lula se mostrou aberto, mas disse que imporá condições para garantir a industrialização do país.
“Discutimos com o mundo todo nossas terras raras. Empresas do mundo todo queremos, mas não podemos permitir somente a exportação, temos que industrializar”, disse.

Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante entrevista coletiva à imprensa na ONU
Ricardo Stuckert / PR
Reunião com Zelensky
Também nesta quarta-feira (24/09), Lula reuniu-se com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky. No segundo encontro entre os mandatários em Nova York, sendo que o primeiro ocorreu em setembro de 2023, também à margem da Assembleia da ONU, os dois mandatários conversaram por cerca de 40 minutos.
De acordo com o comunicado da Presidência da República, o encontro ocorreu a pedido do mandatário ucraniano. Durante a conversa, Lula “lamentou” o sofrimento causado pela guerra na Ucrânia e defendeu o “diálogo” como forma de solucionar o conflito, rejeitando qualquer “saída militar”.
“Lula expressou apoio ao processo de diálogo direto entre as partes iniciado em maio último, em Istambul, bem como às recentes conversas mantidas no Alasca e em Washington”, disse o Palácio do Planalto em nota sobre o encontro.
O mandatário brasileiro também “defendeu maior engajamento da ONU na busca por uma solução negociada, que leve em conta as preocupações de segurança dos dois lados” e “ponderou que um entendimento sobre as condições de um cessar-fogo deveria ser o primeiro passo de um processo de negociação”, acrescentou o comunicado.
Já Zelensky definiu a conversa com Lula como “positiva” e agradeceu os esforços de Lula em “encontrar caminhos para a paz, explorando possibilidade de diálogo com outros países”, ao citar a criação do Grupo de Amigos da Paz, iniciativa liderada por Brasil e China.
“É bom que haja sinais do Brasil de que apoia, acima de tudo, um cessar-fogo e a paz para o povo ucraniano”, afirmou Zelensky a jornalistas após o encontro, segundo a Agência Reuters.
O líder ucraniano afirmou ainda que os dois acertaram conversas futuras sobre comércio e economia.
“O presidente Lula me disse que fará o possível para trazer a paz para mais perto da Ucrânia. Sou grato a ele por sua posição clara”, acrescentou.
Questão climática
Também nesta quarta-feira (24/09), o presidente Lula co-presidiu, ao lado do secretário-geral da ONU, António Guterres, o Evento Especial sobre Clima para Chefes de Estado e de Governo, com autoridades de diferentes países. O mandatário recordou que as novas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês) serão determinantes para os debates que serão travados durante a COP30, que será realizada em Belém.
Lula defendeu que “a transição energética abre as portas para uma transformação produtiva e tecnológica equiparável à revolução industrial” e sobre as NDCs disse que “são o mapa do caminho que guiará cada país nessa mudança”
“Elas não são meros números ou percentuais, são uma oportunidade para repensar e reorientar a política e investimentos rumo a um novo paradigma econômico”, acrescentou.
O presidente alertou que para o êxito em escala global, as nações desenvolvidas devem “antecipar suas metas de neutralidade climática” e estender o acesso a recursos tecnológicos a países em desenvolvimento.
“Queremos promover uma cúpula de líderes que propicie um diálogo franco e direto à altura da missão que as nossas sociedades nos confiaram. Temos a chance de reparar injustiças e construir um futuro próspero e sustentável para todos. Por isso, faço um apelo para os países que ainda não apresentaram as suas NDCs: o sucesso da COP 30 depende de vocês”, concluiu Lula.
Durante o discurso, o mandatário voltou a mencionar a Amazônia, apresentando o bioma em uma esfera de grande importância política. “Vamos juntos fazer da Amazônia o palco de um momento decisivo da história do multilateralismo. A COP30, será a COP da verdade, pois mostrará o grau de compromisso dos países no enfrentamento às mudanças climáticas, afirmou o presidente.
“Ao sediar a COP, na Amazônia, o Brasil quer mostrar que não há como preservar a natureza sem cuidar das pessoas. Não há como revolucionar a nossa relação com o planeta sem engajar com uma ampla gama”, complementou.
Lula expressou que nenhum país é superior ao outro, e que o “unilateralismo” corre o risco de gerar um efeito dominó, prejudicando a própria natureza. “Cada compromisso rompido é um convite para atitudes isoladas. O resultado é um círculo vicioso de desconfiança e paralisia. Precisamos resgatar a convicção na mobilização coletiva”, alertou.
Na pauta climática, o governo brasileiro firmou um acordo com o estado da Califórnia, nos EUA para o desenvolvimento de parcerias com foco em ações climáticas. O memorando de entendimento foi assinado em Nova York, durante reunião entre a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Brasil, Marina Silva, e o governador californiano, Gavin Newson.
A parceria foi firmada no mesmo dia em que Trump chamou a emergência climática de farsa durante seu discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU. Newson faz parte do Partido Democrata, de oposição ao governo Trump, que é Republicano.
Diante do posicionamento do governo norte-americano, que também se retirou do Acordo de Paris, Silva considerou o memorando de entendimento um benefício não apenas à população do estado da Califórnia, mas para toda a humanidade.
“O acordo contribuirá para que Brasil e Califórnia atinjam suas metas de neutralidade climática até 2050 e 2045, respectivamente”, afirmou a ministra.
Além de impulsionar ações para mitigar as emissões de gases do efeito estufa, a iniciativa pretende promover a troca de experiências que impulsionam a transição energética e a adaptação das cidades por meio de soluções baseadas na natureza.
O governador da Califórnia, Gavin Newson, também comemorou a consolidação da colaboração.
“Ao fortalecer nossa parceria com o Brasil, a Califórnia reafirma uma verdade simples: desafios globais exigem cooperação global. Isso nunca foi tão verdadeiro quanto agora, momento em que aguardamos a Conferência do Clima da ONU que o Brasil sediará ainda este ano”, disse.
De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, o memorando de intenções deve se consolidar na forma de diálogos, intercâmbios técnicos, oficinas conjuntas e compartilhamento de experiências para o enfrentamento à mudança climática, além de incentivos econômicos, investimentos em inovações e ampliação de tecnologias limpas e soluções climáticas.
“Podemos trabalhar juntos para reduzir a poluição nociva, proteger ecossistemas críticos e construir economias que funcionem para as pessoas e para o nosso planeta”, acrescentou Newson.
Os governos se comprometeram a trabalhar juntos em um plano de ação elaborado pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e pela Agência de Proteção Ambiental da Califórnia, a fim de estruturar ações climáticas conjuntas no prazo de cinco anos.
(*) Com Agência Brasil, Ansa e Brasil247























