Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Um novo relatório dos Médicos sem Fronteiras (MSF) sobre Gaza, publicado nesta quinta-feira (19/12) documenta as ações qualificadas como “limpeza étnica” praticadas por Israel em Gaza ao longo de um ano.

O informe destaca como os constantes ataques contra população civil, os bombardeios focados em infraestruturas básicas e o impedimento sistemático da entrada de assistência humanitária criaram condições “apocalípticas” para a sobrevivência em Gaza, sobretudo na região Norte.

“As pessoas em Gaza estão lutando para sobreviver sob condições apocalípticas Nenhum lugar é seguro, ninguém é poupado e não existe saída deste enclave destroçado”, disse Christopher Lockyear, secretário-geral de MSF, que visitou Gaza no início deste ano.

Ele denuncia que a recente ofensiva israelense no norte do enclave mostra claros sinais de “limpeza étnica”. A região está isolada há 70 dias por um cerco militar que limita a entrada de suprimentos básicos a mínimos incompatíveis com a subsistência da população sitiada.

Ao mesmo tempo, segue sob constantes bombardeios focados sobretudo em sua infraestrutura básica, como hospitais e estações de tratamento de água. A política de “terra arrasada” praticada na área já matou quase 2 mil pessoas e despovoou vastas áreas.

Informe coincide com outros relatos

O informe da MSF traz várias informações concordantes com relatório publicado nesta mesma semana pela ONG Human Rights Watch, no qual se acusa Israel de ter intencionalmente privado os palestinos do acesso a água potável. Aliás, a acusação de limpeza étnica é consiste, inclusive, com os relatos de soldados israelenses publicados por jornal do próprio país que contam que suas ordens são para matar civis indiscriminadamente.

O relatório dos Médicos sem Fronteiras documenta as numerosas ocasiões em que exército israelense atrasou ou impediu a entrada em Gaza de itens essenciais como comida, água e medicamentos. O problema é mais grave no norte, mas atinge todo o enclave e vem se agravando.

Menos de 10% do indispensável chega a Gaza

Em outubro de 2024, o volume de provisões que chegou a Gaza atingiu o nível mais baixo desde o início da guerra. Foi o último mês incluído no informe. Outubro registrou a entrada diária média de 37 caminhões humanitários. Antes da guerra, a média era de 500 caminhões diários.

“O que nossas equipes médicas testemunharam no local (…) é consistente com as descrições feitas por um número crescente de peritos jurídicos e organizações que concluem que está ocorrendo um genocídio em Gaza”, conclui o secretário-geral da ONG.

Os ataques do Hamas mataram 1200 israelenses e fizeram 251 reféns. A retaliação de Israel “está esmagando toda a população de Gaza”, conclui o informe. Mais de 45 mil palestinos já foram mortos pelo exército, incluindo oito trabalhadores da MSF e mais de ml profissionais de saúde.

A esses mortos, alerta a ONG, deve se somar cerca de 10 mil corpos que a ONU estima ainda estejam sob os escombros. Além de milhares de vítimas dos surtos de doenças decorrentes do acesso “gravemente limitado a alimentos, água e abrigos”. As vítimas são sobretudo crianças, como já denunciaram outras organizações.

Gigi Ibrahim/Flickr
Os poucos que tiveram acesso a cirurgias correm agora risco de infecções

Sem água ou comida em tendas de plástico

Cerca de 1,9 milhão de pessoas – 90% de toda a população de Gaza – já foram obrigados a se deslocar, muitas delas inúmeras vezes. Hoje, muitas famílias vivem em tendas superlotadas ou sob coberturas de plástico, sem acesso à água limpa, saneamento, produtos de higiene e outras necessidades básicas. Algumas conseguem se abrigar em salas de aulas de escolas, mas nenhum desses abrigos improvisados é poupado de bombardeios.

Menos da metade dos 36 hospitais em Gaza estão funcionando parcial e precariamente depois de terem sido alvo de sistemáticos bombardeios, segundo o relatório.

Só as equipes médicas do MSF sofreram 41 ataques nos 12 meses entre outubro de 2023 e outubro de 2024. As agressões incluíram bombardeios, disparo diretos contra instalações da organização ou incursões violentas com detenção arbitrária de seus trabalhadores pelo exército de Israel. Em 17 ocasiões, pessoal médico e pacientes da MSF foram obrigados a abandonar instalações de saúde para salvarem a vida.

Amputações, desnutrição diarreia e infecções

As instalações dos MSF fizeram 27.500 consultas relacionadas a violência e 7.500 cirurgias, muitas delas de amputações. Mas a ONG alerta que está atendendo um número crescente de casos de diarreia, desnutrição, infecções respiratórias e doenças de pele. A ONG prevê que esses casos devem aumentar com o inverno e que outras doenças surgirão pela interrupção da vacinação infantil.

A organização humanitária mostra os sinais de “limpeza étnica”  na combinação das ações de Israel. Ao mesmo tempo que destruiu a infraestrutura de saúde de Gaza, Israel  aumentou as dificuldades para que pessoas que precisam de atenção médica pudessem sair. Durante o fechamento da passagem de Rafah, Israel autorizou  a retirada de 229 pacientes, o equivalente a 1,6% dos que necessitavam sair para receber cuidados.

“Há mais de um ano que as nossas equipas médicas em Gaza testemunham uma campanha implacável das forças israelitas, marcada por destruição maciça, devastação e desumanização”, diz o secretário-geral da MSF.

“Os palestinos foram mortos em casa e nas camas dos hospitais. Foram forçados a deslocar-se uma e outra vez para áreas que não são seguras nem saudáveis. As pessoas não conseguem encontrar nem mesmo o mais básico, como comida, água limpa, medicamentos e sabão, sob um cerco e bloqueio punitivos”, prossegue Christopher Lockyear.

Países tem de pressionar por cessar-fogo

O informe dos MSF insta todos os países, sobretudo os principais aliados de Israel, a porem fim ao seu apoio incondicional a esse país e a cumprirem sua obrigação de impedir o genocídio em Gaza.

O documento lembra que em janeiro, o Tribunal Internacional de Justiça ordenou que Israel permitisse urgentemente a assistência humanitária aos palestinos. E que o país não só não permitiu, como continuou a bombardear ativamente tanto civis palestinos como o MSF e outras organizações humanitárias que prestam assistência em Gaza.

Os MSF pedem um cessar-fogo imediato e sustentado em Gaza, destacam a vital importância da pressão internacional para isso e lembram que mesmo com o fim da guerra, remediar a destruição do enclave será um desafio gigantesco.

Impactos durarão gerações

Os impactos de longo prazo da agressão israelense não têm precedentes, afirma o informe. Além do alto número de amputados, há muitos feridos com alto risco de infecções amputações e deficiências permanentes.

“O custo físico e mental cumulativos da violência extrema, da perda de familiares e casas, das repetidas deslocações forçadas e das condições de vida desumanas vão deixar cicatrizes em gerações”, frisa a ONG.

Mais 77 mortos nas últimas  24 horas

Pelo menos 77 palestinos foram mortos e 174 ficaram feridos em ataques israelenses em Gaza nas últimas 24 horas de acordo com a última atualização diária do Ministério da Saúde, informa a agência de notícias Aljazeera. Só na cidade de Gaza foram atingidas duas escolas que, como a maioria, serviam de abrigo para palestinos deslocados.

Na cidade de Beit Lahya, que fica dentro da parte norte sitiada, o Hospital Kamal Adwan sofreu mais dois ataques. Um drone disparou contra o hospital e a artilharia israelense alvejou seu portão.

O ex-ministro de Defesa de Israel, Avigdor Lieberman disse ao jornal Israel Hayom que o governo “fechar a passagem” de Israel para Gaza. “Deixe-os sufocar. O exército deve permancer com total liberdade operacional (em Gaza)”, disse.