Genocídio palestino: entenda dossiê que enfureceu Trump e o levou a sancionar relatora da ONU
Amazon, Apple, Microsoft e Petrobras, entre outras, integram lista de empresas da 'economia do genocídio'; Brasil exportou 51% mais petróleo para Israel em 2024, mas estatal brasileira nega realizar vendas diretas
Na última quarta-feira (09/07), dia em que o presidente Donald Trump elevou para 50% as tarifas de produtos brasileiros, os Estados Unidos também anunciaram sanções contra a jurista italiana Francesca Albanese, relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para os territórios palestinos ocupados por Israel.
Segundo Marco Rubio, secretário de Estado dos EUA, Albanese realiza “esforços ilegítimos e vergonhosos para pressionar” o Tribunal Penal Internacional (TPI) de Haia “a agir contra funcionários, empresas e executivos dos EUA e de Israel”. Com a decisão, qualquer bem, valor ou interesse que Albanese tenha no território norte-americano — ou que ingresse no país a partir de agora, mesmo que por meio de terceiros — deve ser bloqueado.
Em resposta, Albanese afirmou que as sanções dos EUA tentam minar seu trabalho e que continuará a denunciar o genocídio em Gaza.
Mas o que diz o relatório de Albanese e por que ele enfureceu os Estados Unidos? E o que ele afirma sobre a Petrobras?
Economia do genocídio
Google, Microsoft e a Amazon são as principais empresas de tecnologia que lucram com o genocídio praticado por Israel contra a população palestina na Faixa de Gaza, de acordo com o relatório. O documento de Albanese se propõe a destrinchar o “mecanismo corporativo que sustenta o projeto colonial israelense”.
Intitulado “Da economia de ocupação à economia de genocídio”, o texto aponta que essas empresas contribuem decisivamente para o deslocamento e o extermínio dos palestinos.
Ao todo, 48 empresas são mencionadas como autoras de práticas que negam a autodeterminação do povo palestino e permitem “outras violações estruturais, incluindo ocupação, anexação e crimes de apartheid e genocídio”.
A jurista afirma que, antes mesmo de outubro de 2023, a parceria de Israel com as empresas mencionadas gerava lucros a partir da ocupação de Gaza. Porém, com o agravamento do genocídio, essa atuação “se metamorfoseou em infraestruturas econômicas, tecnológicas e políticas mobilizadas para infligir violência em massa e imensa destruição”.
Albanese nomeia este novo estágio de “economia do genocídio”. Para ela, o setor privado, incluindo seus executivos, precisa ser também responsabilizado pelas ações contra os palestinos.

Albanese afirmou que sanções dos EUA tentam minar seu trabalho The Left in the European Parliament
Armazenamento de dados, inteligência artificial e comércio eletrônico
O documento ressalta que as parcerias entre a Alphabet Inc., empresa-mãe do Google, e a Amazon para armazenamento de dados em nuvem pelo Ministério da Defesa de Israel, em especial no Projeto Nimbus, de 2021, destinaram cerca de US$ 1,2 bilhão (R$ 6,48 bilhões na cotação daquele ano). Segundo o relatório, o sistema Nimbus é utilizado por Tel Aviv no controle populacional.
“Seus servidores localizados em Israel garantem a soberania dos dados e um escudo contra responsabilização, sob contratos favoráveis que oferecem restrições ou supervisão mínimas”, afirmou a ONU. Em Israel está o maior centro da Microsoft “fora dos Estados Unidos”, de acordo com o texto.
A Amazon, por sua vez, além de participar do Projeto Nimbus, é responsável direta pelas plataformas de comércio eletrônico nas colônias israelenses sediadas em territórios palestinos ocupados ilegalmente, “permitindo a expansão e participando do apartheid por meio da prestação de serviços discriminatórios”.
De acordo com capturas de tela de um memorando interno da Google publicado pelo jornal norte-americano Washington Post, o cofundador da empresa, Sergey Brin, chamou as Nações Unidas de “transparentemente antissemitas” num fórum de discussão interno da empresa.
“Com todo o respeito, usar o termo genocídio em relação a Gaza é profundamente ofensivo para muitos judeus que sofreram com verdadeiros genocídios. E teria ainda cuidado ao citar organizações transparentemente antissemitas, como é a ONU, em relação a essas questões”, escreveu Brin nos materiais obtidos pelo periódico. Um porta-voz de Brin confirmou a veracidade da afirmação.
Petroleiras e o esforço bélico de Israel
A brasileira Petrobras também foi mencionada no relatório da ONU como uma das empresas que sustentam a “economia do genocídio”. Outras empresas do ramo petroleiro também estão presentes no documento. Com maior destaque, são citadas a BP (British Petroleum, britânica) e a Chevron (norte-americana), além da norte-americana Drummond Company, da suíça Glencore PLC, e das israelenses Paz Retail and Energy e NewMed Energy.
“Ao abastecer Israel com carvão, gás, petróleo e combustível, as empresas [de petróleo] estão contribuindo para as infraestruturas civis que Israel usa para consolidar a anexação permanente e que agora usa como arma na destruição da vida palestina em Gaza”, diz o relatório.
O documento de Albanese ainda afirma que essas empresas fornecem recursos que “têm servido às Forças Armadas israelenses e à sua obliteração de Gaza”, e que “a natureza ostensivamente civil de tal infraestrutura [fornecimento de combustível] não exime uma empresa de responsabilidade” sobre o genocídio em Gaza.
“A BP e a Chevron também são os maiores contribuintes para as importações israelenses de petróleo bruto, como principais proprietários do estratégico oleoduto azeri Baku-Tbilisi-Ceyhan e do Kazakh Caspian Pipeline Consortium, respectivamente, e de seus campos de petróleo associados”, afirma a nota 59 do relatório. Segundo o estudo, “cada conglomerado forneceu efetivamente 8% do petróleo bruto israelense entre outubro de 2023 e julho de 2024, complementado por remessas de petróleo bruto de campos de petróleo brasileiros, nos quais a Petrobras detém as maiores participações, e combustível militar para jatos”. A nota 59 traz a única menção à petroleira brasileira do relatório.

Relatório da ANP mostra evolução das exportações brasileiras de petróleo a Israel. Imagem: Reprodução
O anuário de 2025 da ANP aponta um incremento nas vendas de combustíveis do Brasil para Israel de 51% em 2024, quando comparadas com 2023, chegando a 2,98 milhões de barris. O número é bastante superior ao incremente das exportações gerais brasileiras de combustíveis, que foi de 9%.
Federação Única dos Petroleiros pede rompimento de relações com Israel
A Federação Única dos Petroleiros (FUP), que reúne sindicatos dos trabalhadores do setor de petróleo no Brasil, emitiu nota avaliando como correta a informação do relatório de Albanese que aponta a exportação de óleo bruto de poços brasileiros “operados em parceria com a Petrobras”.
Baseada em dados do Dieese, a FUP apontou que, em maio de 2025, o Brasil produziu, em média, 4,76 milhões de barris de petróleo e gás natural por dia. A Petrobras, como operadora, foi responsável por 4,25 milhões/dia (89% da produção nacional), dos quais aproximadamente 1,35 milhão de barris “foi apropriado pelas empresas parceiras nos consórcios que operam os campos petrolíferos” — entre elas, a BP e a Chevron.

Petrobras negou que realize exportações para Israel
Divulgação/Petrobrás e Ashraf Amra / UNRWA
Dados do sistema oficial do governo brasileiro para extração de estatísticas do comércio exterior (ComexStat), utilizados pela FUP, indicam que, entre janeiro e julho de 2024, o Brasil exportou para Israel mais de US$ 215 milhões (mais de R$ 1 bilhão) em “combustíveis minerais, óleos minerais e produtos da sua destilação; matérias betuminosas; ceras minerais”.
Contatada por Opera Mundi, a FUP defendeu que, diante dos fatos apontados no relatório de Albanese, “o governo brasileiro rompa relações comerciais com Israel, sobretudo no tema petróleo”.
Petrobras diz que não exportou petróleo a Israel
Opera Mundi contatou a Petrobras sobre a menção no relatório da ONU. A empresa negou que realize exportações para Israel. Segundo a Petrobras, o documento da ONU “não afirma, em nenhum momento, que a Petrobras forneceu petróleo cru e nem que é fornecedora de combustível de aviação militar para Israel”.
Ainda segundo a empresa, “não é possível concluir que a Petrobras foi a fornecedora” de petróleo e combustível para o genocídio porque o documento apenas cita “petróleo bruto de campos petrolíferos brasileiros”.
Apesar de reconhecer que a companhia “detém as maiores participações em campos nacionais”, não seria possível concluir, “a partir disso”, que a companhia foi a fornecedora do petróleo bruto para Israel. “A Petrobras não é a única produtora e exportadora de petróleo do Brasil”, complementa a nota enviada pela assessoria de imprensa da estatal.
Em um segundo contato com a assessoria, foi reafirmado a Opera Mundi que a empresa não identificou exportações para Israel em nenhum poço de petróleo em que está associada.
“A companhia respeita e promove os direitos humanos, conduzindo seus negócios de acordo com as leis e padrões internacionais, com destaque para o Pacto Global e os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos, ambos da ONU”, finalizou a empresa.
Reportagem atualizada em 12 de julho de 2025.























