Gaza: mais de 100 ONGs denunciam ‘fome em massa’ e cobram cessar-fogo imediato
Entidades condenam uso da inanição como arma de guerra e exigem fim do bloqueio humanitário: 'auxílio liderado pela ONU não falhou, foi impedido de funcionar'
Mais de 100 organizações humanitárias alertam para a “fome em massa” que se espalha pela Faixa de Gaza. Em comunicado, divulgado em sites e redes sociais nesta quarta-feira (23/07), elas denunciam que “o uso da fome de civis como método de guerra é um crime de guerra”.
Cerca 875 palestinos já foram mortos por forças israelenses enquanto tentavam receber ajuda alimentar desde o final de maio, quando a Fundação Humanitária de Gaza — apoiada por Estados Unidos e Israel — assumiu a distribuição de suprimentos, substituindo o sistema liderado pelas Nações Unidas.
O texto, assinado por 109 entidades, aponta a brutalidade do bloqueio de ajuda humanitária à população civil em Gaza. Elas afirmam que toneladas de suprimentos permanecem estocadas em armazéns, dentro e fora do território, sem acesso permitido por Israel. “Não se trata apenas de um tormento físico, mas também psicológico. A sobrevivência se apresenta como uma miragem”, destacam.
Elas também mencionam a lenta morte dos trabalhadores humanitários na região de inanição. Eles ‘se somam às mesmas filas para receber alimentos, correndo o risco de serem baleados apenas por tentarem alimentar suas famílias”, apontam.
ActionAid International, Caritas Internationalis, Médicos Sem Fronteiras (MSF), Save the Children e Oxfam estão entre as entidades signatárias do documento. Elas exigem a negociação imediata de uma trégua, a abertura de todos os postos fronteiriços e o livre fluxo de ajuda por mecanismos liderados pela ONU.

Mais de 100 organizações humanitárias alertam para a “fome em massa” que se espalha pela Faixa de Gaza.
IRNA
Confira a íntegra do comunicado:
Enquanto o cerco do governo israelense mata de fome a população de Gaza, trabalhadores humanitários agora se juntam às mesmas filas de alimentos, correndo o risco de serem baleados apenas para alimentar suas famílias. Com os suprimentos totalmente esgotados, organizações humanitárias testemunham seus próprios colegas e parceiros definhando diante de seus olhos.
Exatamente dois meses depois que o esquema controlado pelo governo israelense, a Fundação Humanitária de Gaza, começou a operar, 109 organizações estão soando o alarme, pedindo aos governos que ajam: abram todas as passagens terrestres; restaurem o fluxo total de alimentos, água limpa, suprimentos médicos, itens de abrigo e combustível por meio de um mecanismo baseado em princípios, liderado pela ONU; acabem com o cerco e concordem com um cessar-fogo agora.
“Todas as manhãs, a mesma pergunta ecoa por Gaza: comerei hoje?”, disse um representante da agência.
Massacres em locais de distribuição de alimentos em Gaza ocorrem quase diariamente. Até 13 de julho, a ONU confirmou que 875 palestinos foram mortos enquanto buscavam comida, 201 em rotas de ajuda humanitária e o restante em pontos de distribuição. Milhares de outros ficaram feridos. Enquanto isso, as forças israelenses deslocaram à força quase dois milhões de palestinos exaustos, com a ordem de deslocamento em massa mais recente emitida em 20 de julho, confinando os palestinos a menos de 12% de Gaza. O PMA alerta que as condições atuais tornam as operações insustentáveis. A fome de civis como método de guerra é um crime de guerra.
Nos arredores de Gaza, em armazéns – e até mesmo dentro da própria Gaza – toneladas de alimentos, água potável, suprimentos médicos, itens de abrigo e combustível permanecem intocados, com organizações humanitárias impedidas de acessá-los ou entregá-los. As restrições, os atrasos e a fragmentação impostas pelo Governo de Israel sob seu cerco total geraram caos, fome e morte. Um agente humanitário que presta apoio psicossocial falou sobre o impacto devastador nas crianças: “as crianças dizem aos pais que querem ir para o céu, porque pelo menos o céu tem comida.”
Médicos relatam taxas recordes de desnutrição aguda, especialmente entre crianças e idosos. Doenças como diarreia aquosa aguda estão se espalhando, mercados estão vazios, lixo está se acumulando e adultos estão desmaiando nas ruas de fome e desidratação. As distribuições em Gaza chegam a apenas 28 caminhões por dia, longe do suficiente para mais de dois milhões de pessoas, muitas das quais estão há semanas sem assistência.
O sistema humanitário liderado pela ONU não falhou, ele foi impedido de funcionar. As agências humanitárias têm capacidade e suprimentos para responder em larga escala. Mas, com o acesso negado, estamos impedidos de chegar aos necessitados, incluindo nossas próprias equipes exaustas e famintas. Em 10 de julho, a UE e Israel anunciaram medidas para ampliar a ajuda. Mas essas promessas de “progresso” soam vazias quando não há mudanças reais no local. Cada dia sem um fluxo sustentado significa mais pessoas morrendo de doenças evitáveis. Crianças morrem de fome enquanto esperam por promessas que nunca chegam.
Os palestinos estão presos em um ciclo de esperança e sofrimento, aguardando assistência e cessar-fogo, apenas para acordar com a piora das condições. Não se trata apenas de tormento físico, mas também psicológico. A sobrevivência é balançada como uma miragem. O sistema humanitário não pode se basear em falsas promessas. Os humanitários não podem operar com base em cronogramas instáveis ou esperar por compromissos políticos que não garantam o acesso.
Os governos devem parar de esperar por permissão para agir. Não podemos continuar a esperar que os acordos atuais funcionem. É hora de tomar medidas decisivas: exigir um cessar-fogo imediato e permanente; suspender todas as restrições burocráticas e administrativas; abrir todas as passagens terrestres; garantir o acesso a todos em Gaza; rejeitar modelos de distribuição controlados pelos militares; restaurar uma resposta humanitária baseada em princípios, liderada pela ONU, e continuar a financiar organizações humanitárias imparciais e baseadas em princípios. Os Estados devem adotar medidas concretas para pôr fim ao cerco, como a suspensão da transferência de armas e munições.
Arranjos fragmentados e gestos simbólicos, como lançamentos aéreos ou acordos de ajuda humanitária falhos, servem como cortina de fumaça para a inação. Não podem substituir as obrigações legais e morais dos Estados de proteger os civis palestinos e garantir acesso significativo em larga escala. Os Estados podem e devem salvar vidas antes que não haja mais nenhuma para salvar.























