Fundador da Wikipédia rejeita termo ‘genocídio’ para Gaza e usuários reagem; entenda
Jimmy Wales classifica termo como ‘terrível e problemático’ e defende edições que negam extermínio palestino
Ao falar sobre neutralidade nos conteúdos da Wikipédia, um dos cofundadores da plataforma, Jimmy Wales, afirmou que a página do site dedicada ao genocídio em curso na Faixa de Gaza é “terrível e problemática”.
Em entrevista ao programa norte-americano Amanpour and Company, na última terça-feira (04/11), Wales foi questionado pelo jornalista Walter Isaacson sobre a possibilidade da Wikipédia permitir conteúdos enviesados ou não neutros.
O entrevistador leu a Wales a introdução da página do artigo, intitulado “Genocídio na Faixa de Gaza”: “o genocídio de Gaza é a destruição intencional e sistemática do povo palestino na Faixa de Gaza, realizada por Israel”.
Ao ouvir o início do conteúdo, o cofundador da Wikipédia disse considerar aquela “uma das piores introduções na Wikipédia” que viu “em muito tempo”. Também sinalizou que era a primeira vez que se deparava com o texto e disse ter ficado “chocado”.
“Isso precisa mudar. Acho isso terrível. Não está de acordo com nossos padrões de neutralidade. E acho que é muito problemático. E é definitivamente algo que não reflete a forma como a Wikipédia deveria funcionar, e precisamos corrigir isso”, declarou.
Apesar de afirmar que não poderia mais falar sobre o assunto na entrevista ao programa da emissora PBS, afirmou que a Wikipédia “nem sempre acerta”, sugerindo que a afirmação da existência de um genocídio na Faixa de Gaza seria um erro.
Wales aproveitou a entrevista e pediu que “a comunidade” da Wikipédia ajude os organizadores da plataforma “a corrigir qualquer coisa que não seja realmente justa”.
Após a entrevista, Wales escreveu na seção de comentários do artigo, aberta ao público, que havia sido questionado sobre o conteúdo “em uma entrevista de grande repercussão na mídia”. O empresário reforçou que a página “não atende aos altos padrões” da empresa, “é particularmente grave” e “precisa de atenção imediata”.
Repercussão entre usuários da Wikipédia
A página correspondente ao artigo sobre o genocídio em Gaza foi bloqueada, permanecendo assim até que “as disputas de edição fossem resolvidas”.
Nesta quinta-feira (06/11), a página está de volta ao ar com um alerta: “Este artigo ou seção trata de um genocídio ou massacre recente. A informação apresentada pode mudar com frequência. Não adicione especulações, nem texto sem referência a fontes confiáveis”.
Já a introdução do artigo na língua inglesa foi ligeiramente editada. Uma edição feita na última quarta-feira (05/11) incluiu a informação que diversas instituições multilaterais reconhecem a ofensiva israelense no enclave palestino como genocídio logo após o primeiro período do artigo. Antes da edição, o espaço era ocupado por características de um genocídio.
Deste modo, a edição anterior dizia: “O genocídio de Gaza é a destruição contínua, intencional e sistemática do povo palestino na Faixa de Gaza, perpetrada por Israel durante a guerra de Gaza. Os atos genocidas incluem assassinatos em massa, fome, imposição de graves danos físicos e mentais e prevenção de nascimentos”.
Após a edição, o texto passou a destacar: “O genocídio de Gaza é a destruição contínua, intencional e sistemática do povo palestino na Faixa de Gaza, perpetrada por Israel durante a guerra de Gaza. O genocídio foi reconhecido por um comitê especial das Nações Unidas e por uma comissão de inquérito, pela Associação Internacional de Acadêmicos do Genocídio, por diversos grupos de direitos humanos, por inúmeros estudiosos de genocídio e direito internacional e por outros especialistas”. Após a adição das novas informações, a edição incluiu as características de um genocídio mencionadas anteriormente: “Abrange assassinatos em massa, inanição deliberada, imposição de graves danos físicos e mentais e prevenção de nascimentos”.

Apesar de declarações de fundador, usuários fixaram termo “genocídio” na explicação da plataforma
Captura de tela da Wikipedia
Não é possível apontar o autor da edição, uma vez que qualquer usuário pode solicitar uma mudança nos artigos da Wikipédia, que pode ser aceita ou não, de acordo com a argumentação do usuário — que muitas vezes estão sob anonimato.
Por outro lado, os comentários de Wales causaram repercussão entre os usuários da plataforma. A página intitulada “Genocídio em Gaza” foi criada na Wikipédia em 22 de dezembro de 2023. Antes dela, outro artigo, de nome “Guerra de Gaza” estava disponível, com criação em 7 de outubro de 2023 — data do ataque do grupo palestino Hamas contra o sul de Israel, motivo pelo qual Tel Aviv iniciou sua mais recente ofensiva militar em Gaza.
Desde a entrevista do cofundador ao Amanpour and Company, há dois dias, ocorreram cerca de 100 edições na página. Na aba de comentários do artigo é possível observar a repercussão das declarações de Wales entre os usuários, que foram responsáveis pela edição que corrobora a denúncia de genocídio.
De acordo com a emissora catari Al Jazeera, o empresário sugeriu uma introdução “com abordagem neutra” que refutasse a classificação do sofrimento palestino como genocídio — exatamente o oposto do que fizeram os leitores da Wikipédia: “Diversos governos, ONGs e órgãos jurídicos descreveram ou rejeitaram a caracterização das ações de Israel em Gaza como genocídio”.
A sugestão de Wales vai ao encontro da narrativa israelense sobre o conflito na Faixa de Gaza. O governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu tem repetidamente negado promover genocídio no enclave palestino. As autoridades israelenses se apoiam no argumento de que seu país não poderia promover um genocídio uma vez que o próprio povo judeu foi vítima do Holocausto no século 20.
Wikipédia insiste na neutralidade
Ao portal de notícias norte-americano The Verge, a Fundação Wikimedia, que hospeda a Wikipédia, afirmou não ser incomum que Wales comente artigos e verbetes presentes na plataforma, mas que tais declarações expressam “suas próprias perspectivas e reflexões”.
“Mesmo sendo o fundador da Wikipédia, Jimmy é apenas um entre centenas de milhares de editores, todos empenhados em apresentar informações, inclusive sobre temas controversos, em conformidade com as políticas da Wikipédia”, declarou a porta-voz da fundação, Lauren Dickinson.
Sobre as edições, a representante defendeu que os debates na Wikipédia sejam transformados em “melhorias concretas imediatamente”, mas sem detalhar quais mudanças deveriam ser feitas.
Dickinson ainda reiterou que a plataforma tem como política em seus artigos “não declarar uma conclusão jurídica” e incluir “fontes significativas e de alta qualidade de todos os lados”.
Em relação ao bloqueio da página, a porta-voz esclareceu que não foi ordenado por Wales e explicou que “ocasionalmente, uma página pode ser protegida por editores voluntários para limitar a edição do artigo por um período de tempo”.
“Isso pode acontecer quando um tópico se torna notícia repentinamente, por exemplo, e atrai edições negativas. A proteção de uma página só pode ser feita por administradores voluntários da Wikipédia, que são editores voluntários mais experientes e confiáveis, selecionados pela comunidade editorial em geral”, acrescentou ao The Verge.
Toda a repercussão em torno da Wikipédia e as declarações de Wales ocorrem na esteira de ataques da extrema direita dos Estados Unidos contra a plataforma. Segundo o The New York Post, o presidente do Comitê de Supervisão da Câmara, James Comer, e a deputada Nancy Mace, ambos do Partido Republicano, denunciaram que “grupos organizados” estariam violando as regras da Wikipédia para “disseminar propaganda e manipular artigos sobre temas sensíveis, incluindo conteúdo antissemita e anti-Israel”.
Além disso, a Liga Antidifamação (ADL), organização que frequentemente equipara críticas a Israel com antissemitismo, afirma que os conteúdos da plataforma apresentam “extensos problemas de viés antissemita e anti-Israel”.
(*) Com informações de HispanTV e Times of Israel.























