Fundação humanitária comandada por Israel e EUA encerra atividades em Gaza
Desde março, cerca de mil palestinos morreram, vítimas de tiros enquanto se aglomeravam perto dos centros da entidade; massacres provocaram indignação e condenações
A controversa Fundação Humanitária de Gaza deixou de funcionar e seus quatro centros de distribuição estão paralisados. Desde meados do mês de março, cerca de mil palestinos morreram, vítimas de tiros enquanto se aglomeravam perto dos centros da fundação criada por Israel e pelos Estados Unidos. Os massacres provocaram indignação e condenações.
A fundação está em pausa “para ajustes”, como afirma em seu site? Ou está sendo discretamente desmantelada após meses de fiasco sangrento? Essa é uma das muitas incógnitas que cercam o plano do presidente norte-americano, Donald Trump, para a Faixa de Gaza.
O futuro da Fundação Humanitária de Gaza é tão obscuro quanto sua origem: uma iniciativa israelo-americana, financiamento misterioso, exceto pelos US$ 30 milhões anunciados pelos Estados Unidos, e uma sucessão enigmática de diretores, entre os quais um pastor evangélico próximo de Donald Trump.
No enclave, veteranos do Exército americano convertidos em milicianos privados eram supervisionados pelo Exército israelense. Uma militarização e instrumentalização contrárias a todos os princípios humanitários, que culminaram em um banho de sangue. As agências da ONU e as ONGs humanitárias, entre elas a Oxfam, ficaram particularmente horrorizadas, como conta Louis-Nicolas Jandeaux, um dos responsáveis da organização.
“A distribuição de ajuda humanitária deve ser apolítica e com níveis de ajuda suficientes. Esse absolutamente não é o caso dessa fundação”, disse à RFI.

Fundação humanitária comandada por Israel e EUA encerra atividades em Gaza
Jaber Jehad Badwan/Wikipedia Commons
Em meio a um cessar-fogo ainda frágil, a fundação deixou de funcionar, mas a ajuda humanitária continua, em grande parte, bloqueada às portas da Faixa de Gaza. As ONGs humanitárias seguem exigindo acesso total ao território em ruínas e aos seus mais de dois milhões de habitantes palestinos.
Oxfam Intermón tem € 2 milhões em suprimentos bloqueados
Nicole Ochando, especialista em assuntos humanitários da Oxfam Intermón, braço espanhol da confederação, detalhou a complexa situação enfrentada pelas organizações para levar socorro à população de Gaza. Segundo ela, a instituição atua em Gaza e na Cisjordânia há décadas, intensificando suas operações após 7 de outubro de 2023.
Outras 26 organizações locais trabalham em parceria, somando um total de 46 pessoas dedicadas à resposta humanitária na região. O trabalho se concentra em quatro setores-chave: “água, saneamento e higiene, meios de subsistência, proteção e gênero”, explicou.
No entanto, a situação se agravou drasticamente desde 18 de março de 2025, quando houve um bloqueio total da Faixa de Gaza. Desde então, a entrada de suprimentos tem sido quase impossível. Ochando revela que há ” € 2 milhões em suprimentos parados no Egito e na Jordânia aguardando autorização para entrar. Mesmo agora, após o cessar-fogo, ainda não conseguimos entrar com nada.”
Apesar dos impedimentos, a Oxfam e suas parceiras seguem atuando. No último mês, a organização “distribuiu vales de alimentos para mais de duas mil famílias, transportou água potável em caminhões para comunidades do norte e do sul da Faixa de Gaza e manteve em funcionamento os poços, além dos serviços de higiene e gestão de resíduos sólidos”, explicou.
Suprimentos cruciais impedidos de entrar em Gaza
O valor da ajuda inclui ainda uma variedade de produtos vitais. “Principalmente suprimentos para água, saneamento e produtos de higiene”, detalhou Ochando, mencionando desde “tubulações até pequenas torneiras ou tampas”, além de “pastilhas de cloro para purificar a água”. Também estão retidos “kits de dignidade para mulheres, que incluem itens para saúde menstrual e kits de higiene mais gerais, como sabonete, creme dental, escovas de dentes e até baldes para transportar água”. Há também “alimentos não perecíveis… kits alimentares com latas, comida seca, macarrão, arroz e farinhas”, contou.
Todos esses suprimentos estão “bloqueados tanto na Jordânia, armazenados em nossos depósitos próximos à fronteira, quanto em depósitos no Egito, aguardando aprovação para entrar, seja pelo Egito ou pela Jordânia”, explicou a especialista.
Motivos do bloqueio e planos futuros
A Oxfam Intermón reapresentou os pedidos de entrada de suprimentos em 12 de outubro, três dias após o cessar-fogo, mas esses pedidos “foram negados pela autoridade competente”, disse Ochando, que explicou os motivos. Um deles é a “lista de uso dual”, que classifica materiais com possível uso tanto civil quanto militar. Essa categoria é extremamente ampla. “Já vimos pedidos de entrada de pastilhas para purificação de água serem negados, sob alegação de uso dual”, disse. “Até nossos colegas de Médicos Sem Fronteiras relataram ontem que a entrada de cadeiras de rodas foi negada”, contou.
Outro obstáculo é burocrático: “Desde março, todas as organizações internacionais credenciadas em Israel precisam se registrar novamente”, disse. Embora o registro atual da Oxfam seja válido até 31 de dezembro, “vemos que impedem nossa entrada com a justificativa de que estamos em processo de renovação”.
Planos de resposta e resiliência local
Diante desse cenário, a Oxfam Intermón trabalha com dois planos para os próximos três meses. Um considera a possibilidade de não conseguir entrar com nenhum tipo de suprimento durante esse período, enquanto o outro prevê que a entrada será permitida. Atualmente, estima-se que a organização consiga atender 500 mil pessoas. De acordo com Ochando, “se conseguirmos a entrada dos suprimentos, atenderemos mais 300 mil. Ou seja, poderemos alcançar um total de 800 mil pessoas”.
Nicole Ochando reiterou que a instituição está “protocolando os pedidos de entrada quase diariamente”, em uma “negociação constante para permitir a entrada dos suprimentos”. A esperança é de que, em breve, possam anunciar notícias mais positivas sobre a chegada da ajuda necessária em Gaza.























