Sábado, 6 de dezembro de 2025
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O filme The Voice of Hind Rajab (A voz de Hind Rajab, em português), sobre a história real de uma menina palestina brutalmente assassinada pelo Exército Israelense enquanto tentava fugir da Cidade de Gaza, foi ovacionado por 23 minutos após sua estreia no Festival de Cinema de Veneza.

Os aplausos vieram acompanhados de lágrimas, bandeiras palestinas e gritos como “Palestina livre”, elevando as possibilidades do trabalho ser reconhecido como Melhor Filme Internacional no Oscar de 2026.

“Chega de assassinatos em massa, fome, desumanização, destruição, ocupação contínua. Este filme não é uma opinião ou uma fantasia. É baseado na verdade. A história de Hind carrega o peso de todo um povo”, declarou a atriz palestina baseada no Jordão Saja Kilani, que faz parte do filme.

No evento, Kilani disse ainda que a voz de Rajab “é uma entre dezenas de milhares de crianças que foram mortas em Gaza apenas nos últimos dois anos”.

“É a voz de cada filha e filho com o direito de viver, sonhar, existir com dignidade, mas que foram roubado disso diante de olhos impassíveis. E essas são apenas as vozes que conhecemos. Por trás de cada número há uma história que nunca foi contada”, declarou.

A atriz ainda questionou “como deixamos uma criança implorar por vida?”. “Ninguém pode viver em paz enquanto uma única criança é forçada a implorar por sobrevivência. Deixe a voz de Hind Rajab ecoar pelo mundo. Deixe que ela lembre do silêncio que foi construído em torno de Gaza. Que ela nomeie o genocídio que esse silêncio representa”, instou;

Já a cineasta franco-tunisiana Kaouther Ben Hania afirmou que o filme, que conta com o trabalho de nomes como Brad Pitt, Joaquin Phoenix, Rooney Mara, Jonathan Glazer e Alfonso Cuarón, tem como objetivo dar “voz e rosto” às vítimas do genocídio que Israel promove na Faixa de Gaza.

“Vimos que a narrativa em todo o mundo é que aqueles que morrem em Gaza são danos colaterais. Acho isso muito desumanizante”, declarou Ben Hania a jornalistas antes da estreia mundial do longa.

Segundo a diretora, “é por isso que o cinema, a arte e todo tipo de expressão são muito importantes para dar voz e rosto a essas pessoas”.

“Este filme foi muito importante para mim porque, quando ouvi a voz de Hind Rajab pela primeira vez, havia algo mais do que a voz dela”, declarou Ben Hania.

Para a cineasta, “era a própria voz de Gaza pedindo ajuda e ninguém podia entrar”. “Foi como uma espécie de desejo forte e o sentimento de raiva e impotência que deu origem a este filme”.

Por fim, a cineasta — a primeira a representar a Tunísia no Oscar, em 2021 — ressaltou que “um filme como este precisava ser feito porque, com muita frequência, as notícias nos lembram de eventos que esquecemos e, às vezes, nos fazem ver um mundo ao qual foi negado o poder de falar”.

Filme retrata pedidos de socorro de Hind Rajab às equipes de resgate em Gaza
sajakilani/Instagram

À agência de notícias France Presse (AFP), a mãe de Rajab, Wissam Hamada, disse esperar que o filme ajude a acabar com o genocídio.

“O mundo inteiro nos deixou morrer, passar fome, viver com medo e sermos deslocados à força sem fazer nada”, disse Hamada à AFP, em uma conversa por telefone da Cidade de Gaza, onde mora com seu outro filho, de cinco anos.

O ataque brutal que assassinou Hind Rajab

O filme que trata da história de Hind Rajab é um dos 21 na disputa pelo Leão de Ouro e conta a história real da menina que implorou aos serviços de emergência para resgatá-la depois que as Forças de Defesa Israelenses (IDF, na sigla em inglês) mataram o restante de sua família, sua tia, tio e três primos, em seu carro durante uma das evacuações em Gaza, em 29 de janeiro de 2024.

Hind implora por ajuda ao telefone porque ela é, entre outras coisas, a única sobrevivente no carro, que se escondeu sob o banco. Enquanto isso, os voluntários tentam, durante três horas, manter contato com ela e, principalmente, chamar uma ambulância, mas infelizmente, sem sucesso.

A obra usa o áudio real das ligações telefônicas que Rajab fez para a Sociedade do Crescente Vermelho Palestino. Nas gravações, é possível ouvir a criança chorando, soluçando e clamando ao resgate: “Por favor, venham até mim, por favor, venham. Estou com medo”, enquanto tiros eram disparados ao fundo.

Após três horas de espera, os socorristas receberam autorização da ocupação israelense para enviar uma ambulância para o local onde a criança se encontrava. Contudo, o contato com ela foi cortado logo após a chegada dos socorristas. Tanto o veículo com os dois profissionais de resgate, Yusuf al-Zeino e Ahmed al-Madhoun — que estavam a caminho de Rajab — quanto a menina foram atingidos por tropas israelenses.

Os corpos das vítimas foram encontrados dias depois.

A Al Jazeera realizou uma investigação do ataque em junho de 2024, a partir da reconstrução detalhada da ofensiva, e revelou que “um tanque israelense estava a apenas entre 13 a 23 metros de distância quando abriu fogo contra o carro” da família.

O resultado corrobora com o relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o caso. Segundo o documento, o veículo em que a criança estava foi alvejado de “uma distância muito curta usando um tipo de arma que só pode ser atribuída às forças israelenses”.

Uma organização de direitos humanos revelou a identidade do oficial israelense diretamente responsável pelo assassinato da criança palestina Hind Rajab, sua família e os dois médicos que tentaram salvá-la no bairro de Tel al-Hawa, na Cidade de Gaza, em 29 de janeiro de 2024.

Em maio passado, a Fundação Hind Rajab, ONG independente sediada em Bruxelas que leva o nome da menina palestina vítima da brutalidade israelense identificou o Tenente-coronel Beni Aharon, que atuava como como comandante da 401ª Brigada Blindada das IDF, como o responsável pela morte da criança e dos paramédicos do Crescente Vermelho.

Após a identificação, a fundação apresentou uma queixa de crimes de guerra ao Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia para emitir um mandado de prisão para o tenente-coronel.

(*) Com Ansa, Middle East Monitor, informações da Al Jazeera e BBC News