Sábado, 6 de dezembro de 2025
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A ação militar de Israel em Gaza completa dois anos nesta terça-feira (07/10). O massacre que se iniciou após uma ofensiva do grupo palestino Hamas em 2023 resultou na morte de mais de 67 mil pessoas, uma crise humanitária no enclave e a denúncia de um genocídio em curso perpetrado pelo governo de Benjamin Netanyahu.

Neste dois anos, lideranças da resistência palestina foram mortas, acordos de cessar-fogo negociados e não respeitados por Israel e milhares de palestinos deslocados à força de suas residências. No marco dos dois do genocídio em Gaza, Opera Mundi listou principais pontos para entender o que aconteceu até o momento.

1. 7 de outubro de 2023

Foi a data que o Hamas deflagrou a Operação Al-Aqsa Flood no sul de Israel como uma ofensiva às contínuas atrocidades cometidas pelo regime sionista em solo palestino. A ação matou 1,2 mil pessoas e 251 foram feitas reféns – maioria posteriormente libertada em acordos de cessar-fogo.

Sob o pretexto do “direito à autodefesa”, o regime sionista tomou proveito da ofensiva da resistência palestina e, no mesmo dia, deu início ao atual massacre, promovendo ataques diários. As primeiras imagens transmitidas de hospitais e campos de refugiados sendo bombardeados — ataques considerados crimes de guerra — chocaram o mundo. Enquanto isso, o governo Netanyahu tentava naturalizar a matança.

No decorrer do tempo, organizações de direitos humanos, chefes de Estado e Cortes Internacionais deram oficialmente um nome ao que o regime sionista fazia e segue fazendo: genocídio.

2. Mortes

Em dois anos, o Ministério da Saúde de Gaza contabiliza mais de 67,1 mil mortes no enclave, e mais de 169,6 mil feridos. As vítimas são, em sua maioria, mulheres e crianças. Somente após a violação unilateral do cessar-fogo em 18 de março, por Israel, foram mais de 13 mil mortes e quase 57 mil feridos.

As mortes por fome chegaram a 459, sendo 154 de crianças, segundo o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, na sigla em inglês). Organizações de direitos humanos e da ONU, assim como os governos de diversos países, incluindo o Brasil, denunciaram a fome deliberada como “arma de guerra”.

De acordo com o banco de dados secreto da inteligência militar israelense, do qual o jornal britânico Guardian teve acesso em apuração com veículos de Tel Aviv, cinco em cada seis palestinos assassinados pelas Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) em Gaza não eram integrantes do Hamas. Ou seja, 83% das pessoas mortas no enclave não se enquadram no “alvo” declarado de Israel.

Vale lembrar que revistas científicas levantam números muito maiores do que os contabilizados pelo Ministério da Saúde de Gaza. Quando o massacre completou nove meses, um artigo da Lancet, com o título Counting the dead in Gaza: difficult but essential (“Contagem dos mortos em Gaza: difícil mas essencial”) calculava que, “em uma projeção conservadora”, a quantidade total de mortes civis podia ser de até 186 mil. Já no final de junho deste ano, uma pesquisa liderada pelo especialista em mortalidade em conflitos violentos Michael Spagat, da universidade inglesa Royal Holloway, juntamente com diversas outras instituições educacionais, acadêmicos e centros de pesquisa, revelou que o genocídio havia matado pelo menos 91,5 mil palestinos.

Além dos civis, Israel matou cerca de sete lideranças da resistência palestina, incluindo Ismail Haniyeh, líder do Hamas, e Yahya Sinwar, considerado o “mentor” do ataque de 7 de outubro e substituto de Haniyeh.

3. Trocas de reféns e prisioneiros palestinos

Durante esses dois anos, os governos de Israel e Gaza realizaram trocas de reféns israelenses e prisioneiros palestinos. A maioria das libertações aconteceram como resultado de dois acordos de cessar-fogo entre as partes – um no final de 2023 e o segundo em janeiro deste ano.

O primeiro teve caráter temporário. Iniciado em 24 de novembro de 2023 e concluído seis dias depois, em 30 de novembro, 81 israelenses e 24 civis de outras nacionalidades foram libertados pelo Hamas, em troca de 240 palestinos.

Já o tratado selado em 15 de janeiro de 2025 tinha em sua primeira etapa a cláusula de que Israel deveria libertar 1.904 palestinos presos em centros de detenção, sendo mulheres e crianças, e homens maiores de 50 anos. Em troca, o Hamas entregaria 33 prisioneiros israelenses. A fase foi concluída em 18 de março, com a restituição dos 33 israelenses prometidos pelo grupo palestino e 1,7 mil palestinos por parte de Tel Aviv.

4. Fome e caos humanitário

Israel intensificou sua política de bloqueio contra a Faixa de Gaza. Com o domínio das fronteiras terrestres, do espaço aéreo e marítimo que circunda o enclave palestino, o governo Netanyahu controla a entrada de alimentos, medicações, equipamentos médicos e hospitalares, água e eletricidade. Segundo um dos mais recentes relatórios da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados Palestinos (UNRWA) da ONU, 100% das 1,98 milhão de pessoas em Gaza, Deir al-Balah e Khan Younis — praticamente quase toda a população do enclave palestino – “estão atualmente enfrentando ou devem enfrentar crises ou níveis mais graves de insegurança alimentar”.

Além disso, os hospitais de Gaza estão sob constante ataque de Isael, cortes de eletricidade e de equipamentos no geral. O transporte de água e outros serviços básicos, como esgoto e saneamento básico, foram suspensos, influenciando na propagação de doenças, como a poliomielite, que reapareceu em Gaza após 20 anos.

5. Genocídio

A escalada dos ataques de Israel contra Gaza evidenciou o que organizações dos direitos humanos e especialistas denunciaram como genocídio contra os palestinos. O governo israelense contesta o uso do termo, alegando que ele não pode ser aplicado contra Israel, uma vez que o país foi criado a partir do Holocausto judeu promovido pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

Por conta dessa escalada, a África do Sul apresentou à Corte Internacional de Justiça (CIJ) denúncia contra Israel por violar a Convenção do Genocídio, adotado em 1948.

Submissão da população palestina à fome por Israel foi tema crucial nos últimos dois anos
Government Communication Center – Palestine

6. Condenação internacional e TPI

O caso da África do Sul contra Israel reuniu intervenção de outros países, como Colômbia, México, Chile, Espanha, Brasil, Belize, Cuba, Irlanda, Bolívia, Maldivas, Turquia, Líbia, e a própria Palestina. As evidências levantadas pela Corte levaram outra alta instância da Justiça Internacional a apresentar casos referente ao genocídio na Faixa de Gaza, o Tribunal Penal Internacional (TPI).

Em 21 de novembro de 2024, o órgão emitiu mandados de prisão contra o primeiro-ministro de Israel e o ex-ministro da Defesa Yoav Gallant por crimes de guerra e contra a humanidade contra o povo palestino na Faixa de Gaza. De forma prática, a medida transformou ambos em procurados internacionais.

Por outro lado, o TPI também emitiu um mandado de prisão contra Mohammed Diab Ibrahim Al-Masri, conhecido como “Deif”, líder da ala militar do Hamas, por crimes de guerra e contra a humanidade cometidos contra Israel e Palestina a partir de 7 de outubro de 2023.

7. Onda de reconhecimento do Estado palestino

Atualmente, são 151 países-membros da ONU – dos 193 totais – que formalmente reconhecem a Palestina como Estado soberano. Em 11 de maio de 2024, eram 143. Já outros 39 seguem contrários, como é o caso dos Estados Unidos, Israel, Japão, Itália e Alemanha.

O crescente isolamento de Netanyahu no cenário global veio na esteira dos dois anos de massacre em Gaza. é

8. Reação mundial, acampamentos pró-Palestina e Flotilha

Reações sociais pró-Palestina também se espalharam pelo mundo, com ondas de manifestações na América Latina, mas em especial nas capitais europeias e em acampamentos nos campus de universidades nos Estados Unidos, com destaque para a Universidade de Columbia e Harvard — com estudantes pedindo que Washington e seus centros acadêmicos rompessem todos os laços militares, econômicos, comerciais e acadêmicos com Tel Aviv. Grande parte dessas manifestações foram acompanhadas de repressão policial e prisão de ativistas pró-Palestina.

A Flotilha da Liberdade, por exemplo, reuniu ativistas de todo mundo e barcos para quebrar o cerco israelense e levar alimentos e ajuda humanitária ao enclave palestino. Israel ameaçou e reprimiu todas as tentativas de chegada das embarcações.

De forma ilegal e contra o Direito Internacional, os ativistas — de diversos países — foram sequestrados e presos por Israel. Entre eles, a sueca Greta Thunberg e os brasileiros: Luiziane Lins (deputada pelo PT-CE), Mariana Conti (vereadora de Campinas pelo PSOL); Gabi Tolotti (presidente do PSOL-RS); Nicolas Calabrese (professor e coordenador da Rede Emancipa no Rio de Janeiro); Bruno Gilga (trabalhador da USP e ativista da CSP-Conlutas); Lisiane Proença (comunicadora popular); Magno Costa (diretor do SINTUSP); Thiago Ávila (membro e organizador da flotilha); Ariadne Telles (advogada popular e militante da luta pela terra na Amazônia); Mansur Peixoto (criador do projeto História Islâmica); Mohamad El Kadri (presidente do Fórum Latino Palestino e coordenador da Frente Palestina de São Paulo); e Lucas Gusmão (ativista internacionalista).

Após o sequestro da flotilha, outras manifestações foram convocadas em diversos países em repúdio ao bloqueio israelense no enclave palestino.

9. Cessar fogo

Às vésperas deste 7 de outubro de 2025, o Hamas aprovou parcialmente um terceiro plano de “paz” na Faixa de Gaza, costurado pelos Estados Unidos – sem participação do Egito e do Catar, nações mediadoras – e endossado por Israel. O texto, que contempla 20 tópicos, prevê o cessar-fogo no território palestino, a libertação de reféns, a desmilitarização do Hamas e a retirada das tropas sionistas do enclave. Entretanto, em uma cláusula não especificada, inclui-se também a anistia a Netanyahu nos crimes contra humanidade denunciados pelas cortes internacionais.

O grupo concordou, em 3 de outubro, em libertar todos os refugiados israelenses, vivos e mortos. Por outro lado, solicitou esclarecimentos em certos parágrafos da proposta, defendendo que o futuro de Gaza precisa de um consenso palestino “mais amplo”, ou seja, do próprio movimento. O documento original rejeita a participação do Hamas na reconstrução do enclave.

As negociações para o recente plano seguem sendo discutidas pelas delegações israelense e do Hamas, em Doha.

Até agora, dois acordos de cessar-fogo foram aprovados e chegaram a ser implementados no enclave. O primeiro ocorreu em 24 de novembro de 2023 e terminou seis dias depois, em 30 de novembro. Em 15 de janeiro de 2025 foi implementado o segundo acordo que foi dividido em três etapas que levariam ao fim permanente dos ataques israelenses em Gaza, diferentemente do anterior.

Este acordo, no entanto, acabou sendo violado por Israel, em 18 de março. Netanyahu falsamente justificou que a “repetida recusa” do Hamas em libertar mais reféns teria levado a romper a tratativa. Nesse mesmo dia, as forças israelenses mataram 400 palestinos no enclave.

10. Futuro de Gaza

Com milhares de palestinos dizimados, e os que não foram mortos, sobrevivendo com fome, em situações desumanas, feridos e amputados, é delicado pensar na reconstrução do enclave e da população palestina. Segundo o Programa da ONU para o Desenvolvimento, a remoção e o gerenciamento de entulho em Gaza envolverão o processamento de mais de 50 milhões de toneladas de resíduos. A reconstrução também deve envolver as questões sociais, como educação e saúde, totalmente dizimadas durante o genocídio.

Os planos de cessar-fogo discutidos por Israel, Hamas e mediadores debatem o tema. A mais recente proposta de Trump determina que o enclave palestino “será uma zona desradicalizada e livre de terrorismo, que não representará uma ameaça aos seus vizinhos”, referindo-se à desmilitarização do grupo palestino e demais resistências armadas do enclave.

O plano de Trump exclui o grupo de um futuro governo em Gaza, que seria transferido para a Autoridade Nacional Palestina (ANP) sob supervisão de um órgão internacional, de modo que o ex-primeiro-ministro do Reino Unido Tony Blair lidere uma administração temporária na região.

Por outro lado, a sobrevivência política de Netanyahu como mandatário de Israel também é incerta. Após dois anos de guerra, o primeiro-ministro de extrema direita é alvo de diversas manifestações de israelenses que não apenas são contra a guerra, mas exigem o fim da ofensiva militar e que o foco de Tel Aviv em Gaza seja apenas o resgate dos reféns.