'Direito sob ataque': criminalização contra protestos pró-Palestina cresceu no Ocidente, diz relatório
Federação Internacional de Direitos Humanos acusa Reino Unido, EUA, França e Alemanha de usarem leis antiterrorismo para silenciar vozes dissidentes e suprimir solidariedade aos palestinos
O direito de protestar tem sido alvo de contínuos ataques no Ocidente, de acordo com um relatório que destaca a criminalização progressiva de atos de solidariedade com a Palestina. O estudo da Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH) foca-se particularmente no Reino Unido, Estados Unidos, França e Alemanha, nações onde, segundo o documento, os governos têm utilizado leis antiterrorismo e o combate ao antissemitismo como “armas” para silenciar vozes dissidentes e o apoio à causa palestina em Gaza e na Cisjordânia ocupada.
“Essa tendência reflete uma guinada preocupante rumo à normalização de medidas excepcionais para lidar com posições críticas”, declarou Yosra Frawes, responsável pela área do Magrebe e Oriente Médio da FIDH.
A divulgação do relatório, que se baseia em investigação de fontes abertas, testemunhos em primeira mão e documentos de organizações internacionais, ocorreu um dia depois de um plano mediado pelos EUA ter resultado num cessar-fogo em Gaza, na libertação de todos os reféns israelenses sobreviventes e de milhares de prisioneiros palestinos detidos por Israel.
A pesquisa, realizada entre outubro de 2023 e setembro de 2025, também questiona a censura a titulares de cargos públicos, violações contra jornalistas, a sociedade civil e a liberdade acadêmica no Reino Unido, França, Alemanha e EUA.
“O direito de protesto tem sido atacado constantemente pelo governo britânico, independentemente da administração ou linha partidária”, salienta o documento, que destaca políticas governamentais como a legislação antiprotesto apresentada pelo governo conservador em 2024 — posteriormente considerada ilegal — e um governo trabalhista que, segundo o relatório, “pressionou para legitimar a violência genocida de Israel” e “continuou a justificar o apoio a Israel”.
O texto ainda cita declarações da ex-secretária do Interior do Partido Conservador, Suella Braverman, que descreveu as manifestações pró-palestinas como “marchas de ódio”. A narrativa, afirma o relatório, estigmatizou o “apoio à Palestina e aos movimentos de resistência palestinos” e “contribuiu para discriminar muçulmanos e outros grupos racializados no Reino Unido”.
A transição para um governo trabalhista em julho de 2024 fez “pouco para mudar as narrativas oficiais”, de acordo com o documento, que acusa o novo executivo de continuar a associar críticas a Israel e apoio à Palestina a “antissemitismo violento” e a “grupos muçulmanos e racializados como alvo”.

Manifestações furiosas na cidade alemã de Dortmund exigem o fim da agressão a Gaza e condenam o ataque à Flotilha Global Steadfastness, que se dirigia a Gaza para romper o cerco
WAFA
Dados governamentais recentes mostram que os crimes de ódio contra muçulmanos aumentaram quase 20%, após informações divulgadas no início do ano revelarem que as agressões islamofóbicas subiram 73% em 2024. Os incidentes antissemitas no Reino Unido também registaram um aumento, reduzindo a sensação de segurança na comunidade judaica — preocupação partilhada por participantes de um evento memorial do dia 7 de outubro, em Londres. Dois fiéis judeus foram assassinados numa sinagoga em Manchester no início do mês, num ato qualificado pelas autoridades como um ataque terrorista de inspiração islâmica.
Enquanto a indignação com a guerra de Israel em Gaza continua a levar milhares às ruas do Reino Unido, o governo trabalhista respondeu às preocupações com o aumento do antissemitismo e com certos cânticos inflamatórios nas marchas pró-palestina com a proibição do grupo Ação Palestina e a proposta de reforço dos poderes policiais em protestos. O governo condenou o aumento de crimes de ódio contra muçulmanos, mas líderes comunitários criticaram a falta de uma resposta efetiva.
Na semana passada, o apelo de Keir Starmer pelo cancelamento de manifestações “antibritânicas” no segundo aniversário do ataque de 7 de outubro foi criticado pelos organizadores dos protestos, que acusaram o primeiro-ministro de confundir as ações de Israel com as do povo judeu a nível global. Organizações de defesa dos direitos civis também manifestaram preocupação com potenciais restrições ao direito de protestar.
O relatório foi divulgado quando o comissário de direitos humanos do Conselho da Europa, Michael O’Flaherty, escreveu à secretária do Interior do Reino Unido, Shabana Mahmood, recomendando uma revisão abrangente da legislação britânica sobre o policiamento de protestos, afirmando: “A legislação nacional concebida para combater o ‘terrorismo’ ou o ‘extremismo violento’ não deve impor qualquer limitação a direitos e liberdades fundamentais”.
Embora as leis sobre protestos variem entre Reino Unido, EUA, França e Alemanha — refletindo contextos culturais distintos —, o relatório afirma que as violações nesses quatro países são “representativas de tendências muito mais amplas” na repressão global à solidariedade palestina.
Nos EUA, ações de apoio à Palestina foram recebidas com detenções, ações judiciais e ameaças crescentes. Na França, o governo tem sido criticado por reprimir quem expressa solidariedade aos palestinos, incluindo a proibição de manifestações em certas cidades e a decisão de dissolver o coletivo de direitos humanos e solidariedade Urgence Palestine.
E na Alemanha, onde protestos pró-palestinos levaram milhares às ruas sob a sombra da identidade pós-guerra do país — indelevelmente moldada pela responsabilidade do regime nazi pelo Holocausto —, as táticas policiais foram criticadas como excessivas, e muitos contestaram a proibição por lei de certos slogans, considerados antissemitas.
O relatório recomenda que o Reino Unido crie um organismo independente para supervisionar as práticas policiais durante manifestações e reveja o artigo 12.º da Lei Antiterrorismo de 2000 para excluir opiniões políticas protegidas e slogans de solidariedade. Recomenda também a revogação do artigo 11.º da Lei de Ordem Pública de 2023, que permite abordagens e buscas sem suspeita durante protestos.
“Em última análise, a repressão à solidariedade com os palestinos revela uma crise profunda, não apenas dos direitos humanos nos territórios ocupados, mas da própria liberdade em sociedades que se dizem democráticas”, conclui o relatório.























