Sábado, 6 de dezembro de 2025
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(*) Atualização à 16j

Os brasileiros integrantes da Flotilha da Liberdade chegaram na manhã desta quinta-feira (09/10) em São Paulo, pousando no Aeroporto de Guarulhos pouco depois das 10h. Ao longo da última semana, o grupo estava preso em Israel após a interceptação das embarcações humanitárias que tentavam chegar a Gaza levando ajuda humanitária.

Militantes e ativistas pró-Palestina aguardavam a chegada dos 13 brasileiros no aeroporto. Opera Mundi também acompanhou a chegada.

Ariadne Telles, Bruno Gilga Rocha, Gabrielle Tolotti, João Aguiar, Lisiane Proença, Lucas Farias Gusmão, Luizianne Lins, Magno Carvalho Costa, Mariana Conti, Miguel Viveiros de Casto, Mohamed El Kadri, Thiago Ávila e Victor Nascimento Peixoto são os brasileiros deportados por Israel após sequestro e prisão. O primeiro integrante da delegação brasileira da Flotilha, Nicolas Calabrese, foi solto no último sábado (04/10) e retornou ao Brasil dois dias depois.

Após a chegada, o porta-voz da delegação brasileira, Bruno Gilga, disse que a Flotilha é parte de uma mobilização mundial junto com diversos ativistas pelo mundo que estão se mobilizando em um “fenômeno de solidariedade internacional” com o povo palestino.

Questionado por Opera Mundi sobre a posição do governo Lula diante do genocídio em Gaza, Gilga defendeu “não ser possível” seguir mantendo relações diplomáticas e comerciais com o Estado de Israel: “o que acontece na Palestina está reconhecido como um genocídio, inclusive pelo governo brasileiro. Portanto, não é aceitável manter tais relações”, disse.

“A própria lei internacional diz que ao reconhecer a existência de um genocídio é necessário tomar todas as medidas possíveis para encerrá-lo.  E o que acontece na Palestina é reconhecido como um genocídio, inclusive por declarações do governo brasileiro, da ONU e da Corte Internacional de Justiça. Portanto, não é aceitável se manter relações comerciais e diplomáticas com entidades sionistas”, declarou.

Gilga também questionou a exportação, mesmo que indireta, de petróleo no Brasil que chega a Israel, alimentando seus tanques de guerra e aviões que promovem o genocídio palestino em Gaza.

À reportagem, Soraya Misley, da Frente Palestina de São Paulo, disse que a Flotilha é parte da “enorme onda de solidariedade internacional que se formou” pela causa palestina e que “está isolando, cada vez mais, o Estado genocida de Israel”.

“Graças essa resistência heroica e histórica pró-Palestina que não parou e que, junto dessa imensa onda de solidariedade internacional, impôs esse acordo de cessar-fogo. Agora nós temos que ser vigilantes que ele seja implementado e continuar a luta até a descolonização total da Palestina”, disse.

O ativista Thiago Ávila também comentou, em coletiva logo após o desembarque, o alcance do cessar-fogo no dia em que os brasileiros retornaram damissão. “Hoje é o dia que ocorre o cessar das bombas que não deveriam ter caído ao longo de 80 anos sobre o povo palestino”, declarou.

“Saímos 31 dias atrás de Barcelona com a ideia de abrir um corredor humanitário, para que crianças parassem de serem mortas de fome por Israel em Gaza. Não conseguimos isso, fomos atacados por drones e explosivos, interceptados, sequestrados e levados para uma prisão no deserto da Palestina histórica ocupada. Depois de sete dias na prisão, pessoas resistiram bravamente com uma mesma dignidade que saíram de suas casas. No mesmo senso de justiça e humanidade, elas saíram da prisão entendendo que, por conta daquela missão que mobilizou 462 pessoas e mais de 40 barcos, voltamos para um cenário um pouco diferente”, relatou — referindo-se ao acordo de cessar-fogo.

Apesar do alcance da trégua, Ávila defendeu que “o essencial não muda”, denunciando a existência de mais de 10 mil palestinos “presos nas masmorras de Israel”, sendo 400 crianças, além da também interceptação e sequestro da segunda onda de barcos da Flotilha.

O ativista lembrou que “Gaza, Cisjordânia e toda a Palestina histórica ocupada ainda vive sobre o processo de genocídio e de guerra étnica, no estado de colonização e apartheid que é regido por uma ideologia racista e supremacista chamada sionismo”.

Por isso, defendeu a necessidade de não apenas “acabar com as bombas que caem sobre os palestinos, mas também com a mentalidade colonial e com o racismo que impera na região”.

“A paz verdadeira vem com o cessar-fogo, mas também com o fim da ocupação de Gaza, com a autodeterminação do povo palestino e com a descolonização daquela região”, instou.

O ativista também criticou que a proposta alcançada “não indica nada” sobre o fim do “cerco ilegal” que Israel submete a Faixa de Gaza. Garantiu assim que a Flotilha continuará se mobilizando “porque enquanto o povo palestino não gerir suas próprias fronteiras, ainda vai continuar precisando de ajuda humanitária”.

“Mas o povo palestino não precisa de ajuda humanitária. O povo palestino precisa da verdadeira independência e da sua soberania e autodeterminação”, acrescentou.

Ávila mencionou as mobilizações populares em solidariedade à Gaz e à Flotilha, como os protestos nas ruas, boicotes em fábricas de armas que são exportadas para Israel, em pressão aos governos de diversos países.

“Essa é uma vitória do povo palestino. Eles quem nos convocaram a fazer parte dessa luta. São eles que convocaram o mundo às suas e eles que convocam a gente a seguir mobilizados. Dizer que já existe paz na Palestina, seria tão errado como dizer que existia paz antes de outubro de 2023. Não existe paz com colonização”.

O ativista exaltou, por fim, que “o povo palestino é quem está salvando a humanidade” ao “ensinar aos povos como é resistir às forças mais horríveis do nosso tempo”.

Mariana Conti, vereadora pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em Campinas, disse ser “emocionante” voltar ao Brasil no mesmo dia em que a população palestina comemora o cessar-fogo, mas lembrou que o acordo “não é definitivo”.

“Nós fomos sequestrados por Israel em águas internacionais. Passamos muitas dificuldades, mas isso nem se compara ao que é o cotidiano do povo da Palestina. Então, agora é o momento de avançar e garantir a auto-determinação da Palestina”, defendeu.

Magno Carvalho da Costa, que é militante do Sindicato dos Trabalhadores da USP, mencionou o agradecimento dos palestinos que moram na Jordânia pela iniciativa da Flotilha. Segundo o ativista, “poque toda a armada de Israel que bloqueava os barcos de pesca foram nos interceptar, prender e sequestrar, abandonaram o cerco para impedir que os palestinos pescassem. Por conta disso, o povo de Gaza, próximo da praia, conseguiu pescar toneladas de peixe e comer”.

A deputada federal Luizianne Lins (PT-CE) denunciou o tratamento recebido pelo grupo de brasileiros antes mesmo de serem presos, ainda em águas internacionais: “Houve muita violência física. Nós recebemos, durante muito tempo, jatos de água, que se intensificavam ao redor dos barcos”.

“Após tomarem e assumirem a direção dos barcos, em um sequestro — porque não queríamos ir para Israel e nada do que estava na Flotilha era de Israel — fomos levados para o Porto de Ashdod. Nós chegamos no porto arrastados pelos exércitos israelense e tivemos que ficar por mais de uma hora em posição de quatro apoios, com a cabeça no chão, esperando todos os outros os outros barcos. Os ativistas de todos os outros barcos chegavam e a gente não podia fazer movimento algum. Essa situação se caracteriza completamente como tortura”, relatou.

Já na prisão israelense, a deputada contou que foram “dias muito pesados”, nos quais os ativistas foram mantidos em grupos de 20 pessoas em celas que comportavam capenas cinco.

Lins apontou “opressão psicológica sistemática”, uma vez que os guardas israelenses não permitiam que os ativistas dormissem, entrando cerca de dez vezes todas as noites nas celas para contar a quantidade de presos.

Apesar da declaração, a deputada lançou atenção para o tratamento que o povo palestino recebe nas prisões israelenses, muito mais degradante do que a recebida pelos ativistas.

Interceptação e sequestro da Flotilha

O grupo detido por Israel após a interceptação foi deportado para a Jordânia e lançaram uma campanha de arrecadação para comprar passagens de retorno ao país. Isso por que, segundo a organização, o governo federal não se dispôs, ao menos até o momento, a financiar o retorno dos ativistas brasileiros que foram ilegalmente sequestrados e presos pelas forças de Israel na última quinta-feira (02/10).

A Flotilha zarpou de Barcelona, na Espanha, no final de agosto com destino a Gaza. Ao todo, 44 barcos cruzaram o mar Mediterrâneo levando mais de 460 participantes de mais de 40 países, além de carregamentos de água, medicamentos e fórmula infantil — itens essenciais diante da grave crise humanitária provocada pelo bloqueio imposto por Israel.

Na última quarta-feira (01/10), parte da frota — cerca de 40 embarcações — foi interceptada por forças israelenses. Os tripulantes foram detidos, incluindo os brasileiros e a ativista sueca Greta Thunberg, uma das principais figuras do movimento.

Nesta segunda-feira (06/10), o presidente Lula afirmou que Israel violou as leis internacionais ao interceptar os integrantes da Flotilha com cidadãos brasileiros, fora de seu mar territorial. “E segue cometendo violações ao mantê-los detidos em seu país”, disse nas redes sociais.

(*) Com colaboração de Redação Opera Mundi.