Sábado, 6 de dezembro de 2025
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A cúpula do Grupo de Haia em Bogotá, organizada pelo governo da Colômbia para discutir medidas concretas contra a continuidade do genocídio promovido por Israel na Faixa de Gaza, acabou sem a adesão do governo brasileiro à declaração conjunta. Badra El Cheikh, diretora de campanhas e defesa do Instituto Palestino de Diplomacia Pública (PIPD), revelou a Opera Mundi que os países membros do bloco “aguardam ansiosamente” e “o quanto antes” a assinatura brasileira.

Para a representante do PIPD, há uma “profunda contradição” de Brasília ao denunciar o genocídio enquanto fornece combustível para Israel, mencionando o aumento de exportação entre 2023 e 2024 de petróleo para Tel Aviv, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP).

“Embora o Brasil tenha sido um dos primeiros países a descrever as ações em Gaza como genocídio, por meio de declarações contundentes do presidente Lula, ainda não tomou medidas concretas contra o Estado responsável por esses crimes”, disse.

Ao avaliar a cúpula, que foi encerrada na última quinta-feira (16/07), El Cheikh afirmou que a reunião do Grupo de Haia tornou “mais claro” que as abordagens diplomáticas tradicionais — que tratam o conflito como simétrico e evitam nomear a ocupação e o apartheid — “não só são ineficazes, como também cúmplices”. Já que, segundo ela, “a justiça só será possível com o desmantelamento desse regime [do Estado de Israel] e a plena realização dos direitos do povo palestino”.

“A posição mais clara e firme da cúpula foi que qualquer solução que não enfrente diretamente as estruturas de apartheid, ocupação e colonialismo é cúmplice da opressão”, defendeu. Doze Estados aderiram formalmente a essas diretrizes e os demais países que apesar de não serem signatários do grupo estavam presentes na reunião, como o Brasil, têm até o dia 20 de setembro para apresentar suas decisões oficiais.

Os países fundadores, Colômbia e África do Sul, e membros do grupo (Bolívia, Cuba, Honduras, Malásia, Namíbia e Senegal) firmaram a importância de “quebrar o impasse da comunidade internacional” para “iniciar um novo ciclo de ação que priorize os direitos palestinos, a responsabilização legal e o fim da violência e da ocupação”.

A Opera Mundi, El Cheikh afirmou que o ponto central da cúpula foi o reforço da responsabilidade de todos os países, membros do grupo ou não, face ao genocídio. “O principal objetivo desta reunião de emergência foi lembrar, de forma clara e inequívoca, que todos os Estados têm obrigações legais e políticas, de acordo com seus próprios marcos legais e constitucionais, de defender os princípios fundamentais do direito internacional”.

Para ela, a própria existência do Grupo de Haia “reflete o reconhecimento de que atores poderosos têm agido de forma coordenada para minar o direito internacional” e que as instituições multilaterais, como a ONU, enfrentam limitações estruturais. Por isso, a reunião representou “não apenas um espaço de denúncia, mas uma tentativa concreta de reconfigurar a ordem internacional com base nos princípios da justiça multipolar e da solidariedade entre os povos”.

El Cheikh avaliou ainda que o Grupo de Haia é “pela primeira vez em muito tempo um movimento coordenado capaz de aplicar o direito internacional de forma universal”, ao citar as tentativas das grandes potências, como os Estados Unidos, em deslegitimar o Tribunal Penal Internacional (TPI).

“Trata-se de romper com décadas de seletividade e avançar para uma ordem internacional mais justa, onde a soberania, a responsabilidade e os direitos humanos prevaleçam sobre os interesses geopolíticos e econômicos de poucos. Quanto mais Estados se unirem a este esforço coletivo, mais forte será o sistema de justiça internacional — e mais perto estaremos de garantir dignidade, proteção e autodeterminação para todos os povos, incluindo o povo palestino”, declarou.

Brasil adere denúncia sul-africana na CIJ

Ao mencionar a recente adesão brasileira ao processo de genocídio apresentado pela África do Sul na Corte Internacional de Justiça (CIJ) contra Israel, El Cheikh disse que o passo foi “tardio, mas significativo”.

“A adesão do Brasil reforça a legitimidade da ação judicial da África do Sul e fortalece a frente internacional contra o genocídio. No entanto, não é suficiente: o discurso deve estar alinhado com a prática, especialmente nos campos econômico e militar”.

Mais de 10 países aderiram às diretrizes propostas pela cúpula na Colômbia, enquanto demais países têm até 20 de setembro para apresentar decisões oficiais
Presidencia Colombia/X

Em sua análise, a “ambiguidade” do posicionamento brasileiro “mina a credibilidade da política externa do país”, além de “levantar sérias questões sobre sua coerência”.

A integrante da ONG palestina citou o documento da relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para os territórios palestinos ocupados, Francesa Albanese, que denuncia empresas que contribuem decisivamente para o deslocamento e o extermínio dos palestinos, El Cheikh explica que o petróleo extraído dos campos brasileiros — operados por consórcios que incluem Petrobras, Shell, TotalEnergies, Chevron, BP e Galp — é enviado para duas refinarias israelenses com funções militares.

Segundo ela, a refinaria de Ashdod, operada pela Paz Oil, abastece os caças da Força Aérea Israelense responsáveis pelos bombardeios em Gaza. Já a refinaria de Haifa distribui combustível para assentamentos ilegais e bases militares nos territórios palestinos ocupados. “Esse petróleo é, na prática, transformado em munição líquida contra o povo palestino”, afirmou.

A representante da ONG baseada na Palestina e que atua no Brasil não deixa de mencionar que além do petróleo, o país mantém acordos de cooperação militar e tecnológica com Israel, incluindo comércio de armas, sistemas de vigilância e programas de treinamento. “É imperativo que o país suspenda imediatamente essas parcerias. Cada contrato assinado, cada equipamento adquirido, reforça o aparato de repressão israelense”, denuncia.

O que foi acordado?

A cúpula, apoiada pelo movimento da Internacional Progressista e que contou com a contribuição de organizações da sociedade civil palestina, aprovou “medidas práticas e juridicamente fundamentadas” contra as ações de Israel nos territórios palestinos.

As medidas, para a integrante do PIPD, são “mais do que uma declaração simbólica” pois representam “um passo firme em direção a uma ação internacional coordenada e eficaz” e mostram que “a impunidade não será mais tolerada”.

Entre as principais medidas acordadas estão: a proibição total da exportação e do trânsito de armas, munições e combustível para uso militar para Israel; o bloqueio de navios militares envolvidos na agressão, com a retirada das bandeiras nacionais dos navios cúmplices; a revisão e possível suspensão de contratos públicos que mantêm laços econômicos com empresas ou instituições envolvidas na ocupação; e ações sob o princípio da jurisdição universal — que permite que tribunais nacionais julguem os autores de crimes internacionais cometidos em território palestino, independentemente de sua nacionalidade ou do local onde os crimes ocorreram.

Além disso, a reunião abordou a execução dos mandados de prisão emitidos pelo TPI contra o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e o ex-ministro da Defesa do país, Yoav Gallant.