Mesmo em meio à guerra civil, Haiti garante vaga na Copa do Mundo
Mandando seus jogos em Curaçao, país venceu Eliminatórias deixando de fora Costa Rica e Honduras, e disputará torneio pela segunda vez na história
A seleção de futebol do Haiti está de volta à Copa do Mundo de futebol após 52 anos. A vaga para o Mundial de 2026 – que será realizado nos Estados Unidos, Canadá e México – foi garantida nesta terça-feira (18/11), com uma vitória por 2 a 0 sobre a Nicarágua.
O jogo foi disputado em Willemstad, capital de Curaçao, local onde a seleção haitiana atuou como mandante durante as Eliminatórias da Confederação de Futebol da América do Norte, Central e Caribe (Concacaf). Com a vitória os haitianos venceram o Grupo C da fase final, deixando países como Costa Rica e Honduras de fora da competição.
A data da classificação adiciona um peso simbólico à conquista. O triunfo ocorreu justamente em 18 de novembro, quando o país celebra o Dia da Vitória, em memória da Batalha de Vertières, última e decisiva ação militar contra o exército de Napoleão. A revolta consolidou o Haiti como a primeira nação independente da América Latina e o primeiro país do mundo a abolir a escravidão.
Desde sua única participação na Copa do Mundo, em 1974, o Haiti atravessou décadas de instabilidade e interferências estrangeiras. Nos últimos anos, a capital, Porto Príncipe, tem sido controlada majoritariamente por grupos armados, em um contexto agravado pela crise humanitária, surtos de cólera e colapso do sistema de saúde.
No ano passado, a seleção haitiana feminina fez sua estreia em copas do mundo, disputando a competição sediada na Austrália e Nova Zelândia, e também organizada pela Federação Internacional de Futebol Associado (Fifa).
Boa parte dessa situação se relaciona com os efeitos da Minustah – missão militar da Organização das Nações Unidas (ONU) comandada pelo Brasil –, que ocupou o país entre 2004 e 2017. Soldados brasileiros deixaram um rastro de violações: da transmissão da cólera a centenas de milhares de pessoas à geração de filhos abandonados após abusos sexuais, sem qualquer responsabilização efetiva até hoje.
Em 2004, no auge da intervenção militar, a seleção brasileira foi enviada ao país para um amistoso com a seleção haitiana, promovido como o “Jogo da Paz”.
A partida, disputada sob forte aparato militar e celebrada como gesto diplomático, contrasta com as denúncias de massacres, estupros e imposição política ocorridas no mesmo período. Ainda assim, serviu para aumentar o fanatismo pela Seleção Brasileira em um país que já é fanático por futebol.
Mesmo diante de tantas adversidades, a equipe comandada pelo técnico francês Sébastien Migne encerrou as eliminatórias invicta nos últimos jogos e terminou na liderança do Grupo C, superando Honduras, Costa Rica e Nicarágua. Curiosamente, Migne jamais pisou em solo haitiano: há 18 meses no cargo, o treinador dirige a equipe remotamente, por conta da insegurança no país.

Jogadores haitianos comemoram gol que ajudou na classificação do país para a Copa do Mundo de 2026
Concacaf
Haiti tem restrição para entrar nos EUA
A classificação do Haiti também escancara contradições políticas: enquanto a seleção garantiu presença no Mundial que será disputado nos Estados Unidos, a maioria da população haitiana segue impedida de entrar no país-sede.
Desde o governo de Donald Trump, o Haiti figura na lista de nações com restrições migratórias totais. A medida, ainda em vigor, afeta torcedores, familiares de jogadores e jornalistas, mesmo que atletas de grandes eventos esportivos, como a Copa do Mundo, eventualmente recebam permissões específicas para competir.
A seleção haitiana disputou a Copa Ouro de 2025, disputada nos Estados Unidos e no Canadá, e os atletas puderam entrar sem restrições.
Esta será a segunda participação do Haiti em Copas do Mundo. Em 1974, a equipe se despediu ainda na fase de grupos, com três derrotas e 14 gols sofridos. Desta vez, o Haiti chega como símbolo de resistência e superação, mesmo longe de casa.























