Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Esta é a terceira e última parte do especial de Opera Mundi sobre os assentamentos ilegais de Israel na Cisjordânia. Leia também a primeira reportagem:

– Parte 1: Por dentro dos territórios palestinos ocupados
– Parte 2: De patrimônio histórico da humanidade a zona militar israelense

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Sob o impacto do processo acelerado de limpeza étnica que acontece no coração de Hebron, a delegação enviada pela Campanha Escocesa de Solidariedade com a Palestina (SPSC) percorreu os territórios onde as táticas de anexação colonial atingiram níveis quase irreparáveis.

Pouco antes de seguir para Ramallah, capital administrativa da Autoridade Nacional Palestina (ANP), onde encerraria seu programa de atividades, a comitiva ainda se encontrava no cantão sul da Cisjordânia ocupada.

Mais precisamente, na divisa entre Jerusalém e Belém, no alto da formação rochosa onde fica Al-Walajah, um vilarejo cuja história é fundamental para quem busca entender a “lógica” por trás do projeto sionista.

Al-Walajah é uma das 22 vilas da região metropolitana de Jerusalém que foram envelopadas, durante a primeira fase da construção do Muro do Apartheid, no início dos anos 2000. A fim de viabilizar o chamado “Plano Grande Jerusalém”, de caráter fundamentalmente racista, ancorado na redução do número de palestinos e gradual aumento de colonos na cidade.

Acompanhada pela ativista Yara Ziad, a delegação percorreu o povoado completamente sufocado pelos muros do apartheid israelense. Com 70% de seu território confiscado durante a Nakba (“Catástrofe” em árabe) de 1948, o que restou de sua territorialidade encontra-se espremido entre a Linha Verde e dois grandes assentamentos de colonos.

Gilo e Har Gilo fazem parte da mesma cadeia de assentamentos ilegais formados no sudoeste da Cisjordânia ocupada que se estendem até a região de Al-Ma’sara, onde começou a nossa jornada.

A comunidade internacional falhou com a Palestina

Para quem consegue observá-los de perto, a mera dimensão desses assentamentos, além da rápida expansão de sua infraestrutura, como as rodovias que os conectam, escancaram algo que os palestinos sabem muito bem: a comunidade internacional falhou, de forma retumbante, com este povo.

No que restou da antiga vila de Al-Walajah, há apenas uma estrada de acesso, constantemente monitorada e bloqueada por um posto de controle militar nas redondezas. Enquanto conduzia a delegação, numa tarde nublada e atípica de maio, Yara nos convidava a encarar, com atenção redobrada, as paredes que circundam o perímetro do vilarejo. “Observem a diferença entre um segmento e outro”, propôs ela ao grupo.

Muitos segmentos depois, a ativista explicou que, assim como as indústrias armamentista e de vigilância, construtoras internacionais também utilizam os territórios palestinos ocupados como laboratório. “A parede construída por Donald Trump, na fronteira com o México, foi testada primeiro aqui em Al-Walajah”, disse ao apontar para o muro que tomava dimensões ainda mais sombrias.

Israel fechou um cerco militar no entorno da vila Al-Walajah

A Opera Mundi, a coordenadora de Relações Internacionais da campanha popular palestina “Stop the Wall”, Maren Mantovani, diz sobre o vilarejo: “Al-Walajah é um desses vilarejos que foram isolados, mas não completamente. Metade de seu território integra o município de Jerusalém. Israel fechou um cerco militar no entorno da vila, traumatizando seus residentes, e destruindo suas casas, para forçar sua expulsão. No contexto da ‘Grande Jerusalém’, o objetivo final é reduzir a população palestina de 38% para 12%”.

Desde 2016, mais de 50 casas foram demolidas na área conhecida como Ein Juweiza, sob administração de Jerusalém. Sobre o tema, a ativista Yara recorda: “muitas das casas que vocês viram de pé, em Ein Juweiza, estão sob ordens de despejo. Essa área não tem um plano diretor, portanto suas construções são consideradas ilegais pela ocupação. Elas também contribuem para a consolidação do controle israelense sobre recursos naturais, como a fonte de Ein El-Haniya, e para o fortalecimento do controle demográfico ao redor da fronteira oeste de Belém, onde Israel está construindo um anel de assentamentos”.

Território fragmentado

Aos que vislumbram uma Cisjordânia com continuidade territorial, sob a óptica ilusória de uma “solução de dois Estados”, cuja única barreira à estatização seria seu reconhecimento pela comunidade internacional, a realidade é menos promissora.

Suas paisagens são hoje violentamente atravessadas por cerca de 800 quilômetros de muros de concreto, pelo menos 250 assentamentos ilegais e mais de 790 obstáculos militares, dificultando a autodeterminação palestina.

Apenas 20% do muro está localizado dentro das fronteiras estabelecidas pelas Nações Unidas. “A maior parte foi construída dentro dos territórios palestinos, circundando as áreas A e B e isolando a C, supostamente sendo estas as fronteiras de uma entidade palestina, ou o que quer que eles tenham decidido que seja o futuro dos palestinos”, disse Mantovani.

A Cisjordânia ocupada é uma colcha de territórios isolados, controlados e separados por uma malha rodoviária que conecta todos os assentamentos entre si e aos territórios ocupados desde 1948. “Eles decidiram que o futuro palestino é essa guetização”, conclui a porta-voz da organização palestina que luta contra a construção do muro desde sua concepção.

Destruição e deslocamento forçado

Em sua passagem pela Cisjordânia, a delegação também percorreu os territórios tanto nas redondezas, quanto ao norte da capital administrativa de Ramallah, sob a tutela de um velho conhecido de Mantovani: Jamal Juma, coordenador geral da campanha “Stop The Wall”.

A comitiva escocesa aguardava, um tanto apreensiva, a chegada do ativista no hotel. O grupo tinha um encontro marcado a cerca de 1h30 de carro do centro de Ramallah, na província de Tulkarem, com coletivos de ativistas e membros da Nova Federação Palestina de Sindicatos, formada em 2013.

Desde outubro de 2023, o norte da Cisjordânia é alvo de violentas incursões militares, que incluem bombardeios e conflitos armados. Lançada em janeiro de 2025, e centrada nos campos de refugiados de Tulkarem, Nur Shams e Jenin, a “Operação Muro de Ferro” segue causando destruição generalizada, com mais de 40 mil palestinos deslocados à força.

Em Tulkarem, a delegação testemunhou as consequências da operação, cujos danos à infraestruturas, como redes de esgoto e água, constituem um crime de guerra, segundo o direito internacional.

Na cidade fronteiriça, localizada ao leste da Linha Verde, organizações da sociedade civil, como os “Novos Sindicatos”, absorvem o impacto da nova crise de refugiados. Em uma tentativa de impedir que sejam deslocadas para além de seus limites urbanos, os residentes de Tulkarem se organizam para acomodar as famílias cujas casas foram demolidas.

Entrada Ramallah

Acompanhada pelos sindicalistas de Tulkarem e Jamal Juma, a delegação percorreu de carro o perímetro externo do campo de refugiados localizado no centro urbano. “Não podemos entrar, atiradores de elite estão posicionados no alto dos prédios que ainda não foram demolidos”, disse Juma ao pedir que baixássemos as câmeras.

Durante o percurso, o táxi que conduzia a comitiva chegou a ser perseguido por um veículo blindado do Exército israelense que se aproximava do carro em alta velocidade. “Aqui, se você não sair da frente, eles passam por cima”, comentou o ativista.

“Em Gaza, eles não têm a mesma sorte”

Das atividades programadas pela comitiva, com apoio de organizações locais, a passagem por Tulkarem se provou uma das mais difíceis de processar. Na ocasião, tivemos a oportunidade de conhecer uma família cuja casa havia sido demolida poucos meses antes.

“Nós acordamos com o barulho dos drones de vigilância”, contaram eles à delegação. “Alguns minutos depois, o Exército forçou sua entrada pela porta, avisando que tínhamos dez minutos para juntar nossos pertences e evacuar. Em menos de meia hora, estávamos assistindo nossa casa ser completamente destruída pelas escavadeiras”.

Apesar de ter sido a última, aquela não foi a primeira vez que a família teve sua casa invadida pelas forças militares. “Quatro anos atrás, eles chegaram com cachorros, que atacaram nosso filho mais velho. Sem prestar nenhuma assistência médica, ele foi algemado e preso enquanto sangrava a caminho da viatura”. O rapaz, de 33 anos de idade, permaneceu sob custódia israelense até março de 2024. Em agosto, ele foi “convidado” a se apresentar numa instalação prisional. Optando pelo exílio, seu carro foi bombardeado por um caça F-16, um jato que não era usado na Cisjordânia ocupada desde a Segunda Intifada, em 2002.

Para a delegação escocesa, seus pais afirmaram que, embora o filho não tenha tido coragem de falar sobre o que viveu nas mãos do regime israelense, tudo indica que ele foi brutalmente torturado na prisão. Apesar do trauma, a família se diz grata pelo acolhimento dos residentes de Tulkarem. “Em Gaza, eles não têm a mesma sorte”, disseram.

Campos de refugiados são essenciais para a manutenção da identidade palestina, a resistência e o direito de retorno. Na Faixa de Gaza, Israel destruiu os oito campos, que representam 64% de todos os refugiados palestinos. A Opera Mundi, Juma comenta: “eles acreditam que, ao atacar os outros 36% na Cisjordânia, acabarão com o problema dos refugiados.”

“Jenin e Tulkarem têm os maiores campos de refugiados com resistência palestina à ocupação. De certa forma, eles querem oprimir e aterrorizar os palestinos para que tomem essa medida como exemplo: quem resistir acabará assim”, concluiu o ativista.

Enquanto promove um genocídio em Gaza, Israel avança seus planos, por meio da agenda sionista, de limpeza étnica dos palestinos na Cisjordânia, desfrutando da cumplicidade da comunidade internacional, principalmente de potenciais coloniais como Estados Unidos e Reino Unido.

Para Lubnah Shomali, porta-voz do centro de advocacia BADIL, “o papel da comunidade internacional, especificamente de Estados terceiros, tem sido, desde 1948 e continua sendo, sanções políticas, econômicas e militares. Até aqui, é desnecessário dizer, eles falharam espetacularmente em cumprir com suas obrigações”.

Já o papel da sociedade civil é diferente, segundo ela: “intensificar suas ações diretas em solidariedade à Palestina para romper o status quo de cumplicidade com o genocídio e os crimes israelenses e forçar seus Estados a cumprirem suas obrigações.”

E o que o Brasil tem a ver com isso? Grande parte da energia e dos recursos que sustentam os crimes de Israel contra a humanidade é importado, incluindo petróleo brasileiro. “O Brasil, em particular, é uma potência econômica e diplomática. É crucial que haja uma ação decisiva do governo brasileiro para defender o direito internacional e pôr fim a qualquer cumplicidade no genocídio, apartheid e ocupação ilegal de Israel”, afirmou Shomali.