Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Com 27 anos de idade, Ygor Coelho representa o badminton do Brasil nos Jogos Olímpicos há três competições, sendo o primeiro atleta da história do país a disputar a modalidade no evento esportivo do Rio de Janeiro em 2016, e o primeiro a vencer uma partida do esporte de raquete mais rápido do mundo em Tóquio 2020. Também detém o feito inédito de trazer a primeira medalha de ouro para o Brasil no âmbito dos Jogos Pan-americanos de Lima, no Peru, em 2019.

Após um ciclo olímpico de três anos jogando torneios no mundo todo, preparando seu corpo e mente, Coelho recebeu a classificação pela Seleção Brasileira de Badminton para os Jogos Olímpicos de Paris em abril passado. Antes de embarcar para a França, o atleta conversou com Opera Mundi sobre sua trajetória.

Da Comunidade Chacrinha à Dinamarca

Além de jogar pela Seleção Brasileira, Coelho disputou a modalidade denominada simples masculina – estilo de jogo em que se joga individualmente – na Liga Dinamarquesa de Badminton pelo clube Hojbjerg desde 2018.

Seu curso pelo badminton começou cedo, aos três anos de idade por meio da Associação Miratus, ONG criada por seu pai, Sebastião Dias de Oliveira, na comunidade da Chacrinha, no Rio de Janeiro.

Campanha Free Palestine

Sebastião era inspetor de um colégio onde adolescentes infratores eram encaminhados após atingirem a maioridade. Ele tinha o sonho de recriar essa instituição para que tivesse um plano de reintegração socioeducacional aos jovens. Assim nasceu a Miratus, primeira casa de um dos atletas de badminton mais destacados do mundo na atualidade.

“Quando meu pai tinha a primeira equipe, ele não queria que eu ficasse brincando no meio da quadra, que na verdade era só o desenho e a rede. Ele também estava construindo uma piscina de natação, que era o projeto inicial, mas também virou um local com demarcações de badminton e eu ficava nesse espaço enquanto o pessoal treinava”, conta o Coelho, que chegou a praticar outros esportes, como handebol, natação, judô e futebol, mas ficou no badminton porque desde quando começou nas competições mirins “já ganhava medalhas”.

Coelho conta que a Associação Miratus tem até hoje o objetivo de ajudar as pessoas, e impactou mais de 300 crianças através do esporte. “Eu tive um grande incentivo do meu pai, ele é meu herói. Com certeza ele não conseguiu salvar todas essas crianças, porque na comunidade tem tráfico e o caminho das drogas. Muitos dos meus amigos morreram ou foram para o crime, mas também há muitos deles que estão morando fora do país, são professores de educação física, estudam ou trabalham em outras áreas do esporte”, relata.

O atleta resume o badminton como “o esporte que mudou sua vida”. “Eu moro na Dinamarca, falo inglês, espanhol, francês e estou treinando dinamarquês. Sou exemplo para muita criançada por sair da Chacrinha e estar aqui hoje. Sou uma referência não só na Miratus, onde ainda volto para conversar com as crianças, mas para todos aqueles que querem ser atletas profissionais no Brasil todo”, conta com saudosismo sobre o local que foi sua primeira casa no esporte e onde aconselha as crianças a mudarem suas realidades.

Ygor Coelho é considerado um dos 50 melhores atletas de badminton no mundo, esse status, segundo ele, é “um reflexo do esforço do meu pai”. “Através do esporte eu me esforcei e estou nos Jogos Olímpicos porque meu pai me ensinou a superar sempre”, conta.

Crescendo e jogando no projeto Miratus, Coelho entrou na Seleção Brasileira Juvenil de Badminton aos 15 anos. Na adolescência, teve a oportunidade de viajar durante três meses à Dinamarca, país onde joga atualmente e que detém o atleta nº 1 no ranking mundial da categoria, Viktor Axelsen.

Com este treinamento e torneios jogados em Porto Rico, Finlândia e no Brasil, Coelho subiu 200 posições no ranking mundial e passou a integrar a Seleção Adulta de Badminton do Brasil, classificando-se para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016. Assim, o atleta não apenas foi o primeiro brasileiro a conseguir o feito, mas o fez em sua própria “casa”.

 

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Nos Jogos de 2016, Coelho não conseguiu superar a fase de grupos na competição, mas seu desempenho foi o suficiente para receber um convite para jogar na França, no que seria o início de seu processo para competir na Europa.

O brasilerio jogou durante dois anos sob o treinamento de Peter Gade, que foi o atleta nº 1 do ranking mundial na modalidade simples masculina, até ir para a Dinamarca em 2018, representar o Brasil nos Jogos Pan-Americanos de Lima em 2019, trazer o primeiro ouro para casa, e conquistar o título de primeiro atleta brasileiro a vencer uma partida olímpica de badminton, em Tóquio 2020.

‘Ser negro é se provar 5 vezes mais’

Ao falar de badminton, Coelho repete a palavra resiliência, em especial por ser um atleta que nasceu em uma região periférica do Rio de Janeiro, e por ser negro.

“Enfrentei todos esses desafios com resiliência. Por ser negro, eu preciso me provar cinco vezes mais. A gente precisava ser realmente bom porque o badminton era elitista”, conta ao lembrar do episódio em que percebeu que precisaria trabalhar mais para provar sua habilidade.

Em 2011, durante os Jogos Pan-Americanos juvenis, na Jamaica, apesar de ser uma das maiores promessas do badminton no Brasil, Coelho ficou de fora das disputas e ocupou apenas o banco de reservas para substituir o atleta titular caso acontecesse alguma emergência.

“Aquilo me deixou bem triste e meu pai sempre falava que eu precisava ser bom, porque não seria prontamente escolhido”, relata.

Mesmo como atleta consolidado com o apoio da Confederação Brasileira de Badminton (CBBd) e patrocínios como os da Petrobras, Coelho ainda reconhece desafios porque pratica um esporte caro.

Ygor Coelho/Instagram
Ygor Coelho detém o feito inédito de trazer a primeira medalha de ouro para o Brasil no âmbito dos Jogos Pan-Americanos de Lima, no Peru, em 2019

“A gente precisa fazer uma turnê pelo mundo para manter o ranking mundial. Esse processo, alheio aos Jogos Olímpicos, é o mais difícil para mim porque preciso viajar, uso recursos dos meus patrocinadores, mas preciso colocar meus recursos também”, conta.

Simples masculina, estratégia e estilo de jogo

Similar ao tênis, o badminton é um esporte de raquete que tem como objetivo, para marcar pontos, fazer a peteca cair na quadra do adversário. Sendo a modalidade de raquete mais rápida do mundo, também é o segundo esporte de raquete mais praticado.

Em jogos de atletas profissionais, como Coelho, a peteca utilizada é construída com uma base de cortiça e materiais naturais, como penas de ganso, que a permite chegar a velocidades recordes de 493 km/h.

De acordo com a Federação Mundial de Badminton (BWF), a quadra quando jogada em dupla tem dimensões de 13,40m de comprimento e 6,10m de largura, com uma rede na metade da quadra, de 1,55m de altura, para separar os oponentes.

Na modalidade de Coelho, que joga de forma individual, a quadra respeita as mesmas dimensões, com exceção da largura, reduzida para 5,18m.

O atleta admite a dificuldade da modalidade e classifica o estilo de jogo simples como “muito estratégico” e que obriga a “jogar sabendo onde vai”.

Sendo originalmente um atleta simplista, Coelho conta que jogava na modalidade de duplas até 2018 e atualmente joga quando necessário, mas como a Seleção Brasileira é “muito completa”, sendo o segundo maior time masculino de Badminton das Américas, são raras as necessidades.

Ygor Coelho/Instagram
Ao falar de Badminton, Coelho repete a palavra resiliência, em especial por ser um atleta que nasceu em uma região periférica do Rio de Janeiro, e por ser negro

Badminton no Brasil

A Opera Mundi, Coelho conta que, independente das trocas de governo que o país registrou nos últimos anos, ele valoriza muito o programa Bolsa Atleta, iniciativa criada pelo Ministério do Esporte em 2005 durante a primeira administração de Lula, e que foi seu “primeiro patrocinador” .

Ainda apoiado pelo benefício para esportistas, Coelho comenta sobre o reajuste que o programa receberá de 10,86% em todas as categorias após 14 anos sem correções.

“Estou sendo um dos beneficiados com esse reajuste. Para mim e para minha carreira, eu tenho só a agradecer ao programa Bolsa Atleta. Sem ele, eu não treinaria na Dinamarca e não conseguiria pagar metade dos meus torneios. Então ele é importante na minha carreira até hoje”, declara.

Na esteira do reajuste ao programa de incentivo ao esporte, Coelho conta que a CBBd recebeu o maior recurso de sua história no ciclo olímpico de 2023 para 2024.

Apesar dos investimentos, o atleta reconhece que tanto o governo brasileiro quanto a CBBd “tem muito trabalho a fazer” para tornar o badminton conhecido no Brasil. Segundo ele, a categoria só é famosa em nosso país porque há “pessoas que amam o esporte e fazem por eles mesmos”, referindo-se às aulas de seu pai no Rio de Janeiro e a uma iniciativa semelhante na cidade de São Paulo, o Badminton ZN, coordenado pelo professor Fábio Rocha.

“A CBBd precisa ter um trabalho melhor de divulgação. Eles estão investindo mais nisso, tem um responsável das Olimpíadas dentro da Confederação que também trabalha com jornalismo, por exemplo. Então tem um grande leque para as pessoas saber mais o que é o badminton”, pontua.

Coelho aposta nas redes sociais para divulgar o badminton e sua trajetória. Com 31 mil seguidores no Instagram, acredita que essas ferramentas “dão acesso a novas experiências e esportes”.

Todas essas experiências permitiram um salto na carreira de Coelho, fazendo com que competir no Brasil, com a torcida dos brasileiros, transformassem ele em uma referência para em todos os locais onde joga.

“Jogar em um circuito na Indonésia foi especial porque é um povo igual ao nosso, o ginásio é sempre lotado e as pessoas vibram por atletas de nações pequenas no badminton. Lá, eu me sinto como se estivesse jogando em casa”, recorda.

Trajetória até a convocação

Coelho entrou no último ano do ciclo olímpico, que vai de abril do ano não-olímpico (abril de 2023) a maio do ano olímpico (maio de 2024) totalmente focado na competição sediada pela França.

Ele conta que viagens ao redor do mundo todo foram necessárias para estar ao menos nas mesmas condições e torneios dos oponentes que vai enfrentar em Paris.

“Você pode jogar o máximo de torneios que você quiser. Eu joguei 21 torneios dentro do ciclo olímpico de Paris, em um ano. Mas só os 10 melhores resultados contam, e a partir disso um ranking é criado”, explica.

Com o ranking mundial feito, o atleta é classificado para as Olimpíadas se estiver dentre os 42 melhores, completando todas as vagas que a competição separa para o badminton.

Ygor Coelho sabe de seus feitos históricos nas Olimpíadas do Rio de Janeiro de 2016, em Tóquio de 2020 e nos Pan-americanos de 2019. Apesar de não ter “caído a ficha” ao receber a primeira classificação olímpica, entendeu a dimensão de seus feitos ao entrar pela primeira vez em quadra no evento mundial em sua própria casa.

O atleta conta que essa sensação o motivou para o Japão e ainda o motiva para a França. Com essas vitórias em mente, embarca em direção a Paris querendo “mais do que só participar” .

“Durante esse ciclo, essa foi a minha ideia. Vou querendo ganhar uma medalha olímpica”, declara sobre suas expectativas.