Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Em 2024, o Brasil recebeu 194.331 novos migrantes, segundo dados do Boletim da Migração. No mesmo período, foram concedidos 13.632 reconhecimentos de refúgio, com a Venezuela liderando o ranking (12.726), seguida por Afeganistão (283) e Colômbia (121). Apesar do país ter uma legislação avançada para acolhimento, especialistas apontam falhas na implementação de políticas públicas efetivas.

“Ao chegar em um novo país, o desejo primordial dos migrantes e refugiados é quase sempre a regularização de sua situação, a busca por um emprego e a estabilidade para recomeçar. Em essência, as pessoas buscam vidas dignas e possíveis de serem vividas”, afirmou a Opera Mundi Nathalia Antonucci, coordenadora social e co-fundadora da organização LGBT+Movimento.

Antonucci explicou que as razões para migração variam de perseguições religiosas, guerras, mudanças climáticas e crises econômicas. Para a população LGBTTQIA+, somam-se desafios, como xenofobia, racismo e transfobia.

Na tentativa de auxiliar nestes desafios, surge a LGBT+Movimento. Criado em 2017, a organização busca amparar quem chega ao Brasil e que sofre preconceitos por se autodeclarar LGBTTQIA+. Mais de 3 mil atendimentos realizados, dentre eles, cerca de 23 nacionalidades diferentes já foram atendidas pelo movimento. Segundo eles, latino-americanos compõem a maioria dos que buscam apoio na entidade, representando 93,8%. Venezuelanos, colombianos e argentinos ocupam a posição de maior atendimento de 2023 até hoje.

Com sede no Rio de Janeiro, a maioria dos atendimentos são realizados por agendamento online e o trabalho de apoio funciona em três áreas centrais: assistência, comunidade e incidência política. A LGBT+Movimento oferece suporte com a regularização migratória e inclusão do nome social, além da revalidação de diplomas, aulas de português, atividades culturais e auxílio financeiro emergencial.

A ONG também auxilia nos processos burocráticos, como o acesso a documentação brasileira e ter acesso à emprego, renda e moradia digna.

'É fundamental que as políticas públicas brasileiras passem a contemplar a diversidade e as particularidades dessa população, garantindo um acolhimento digno e efetivo'

Organização auxilia migrantes LGBTQIA+ que chegam ao Brasil
Paolo Vargas | Jornada de Saúde Migrante da LGBT+Movimento

Lacunas no acolhimento

Segundo Monique Torres, coordenadora de comunicação da LGBT+Movimento, um dos maiores obstáculos é a invisibilidade estatística. Dados oficiais governamentais não detalham a realidade de migrantes LGBTTQIA+, nem incluem essa população em pesquisas sobre refúgio.

“Enquanto pessoas trans brasileiras podem retificar seus nomes, migrantes e refugiados não têm esse direito”. Elas são obrigadas a conviver com documentos que não refletem sua identidade”, disse a coordenadora de comunicação.

De acordo com o professor de Relações Internacionais da PUC-SP Arthur Murta, o Brasil tem uma “política jurídica robusta para migrantes e refugiados, mas isso não se traduz em boas práticas”. “Ser aberto à solicitações de refúgio não garante a concessão ou a integração digna dessas pessoas”.

O professor relembra que a ausência de políticas públicas obriga a sociedade civil a assumir o papel de acolhimento, “quem acaba realmente trabalhando junto com esses migrantes refugiados, para garantir o mínimo de acesso, são as organizações, sociedade civil e outros movimentos que garantem a dignidade para eles”, declarou Murta.

Dentro do corte de migrantes refugiados já existe uma ausência de políticas públicas, “os LGBTTQIA+ sofrem ainda mais” declara Murta. Apesar de ter sido aprovado em 2023 um processo simplificado de reconhecimento, ainda ele não corresponde a uma política pública de acolhimento.

“Isso porque, o Brasil já tem um problema em políticas públicas para pessoas da comunidade LGBTTQIA+, os brasileiros já sofrem com essa ausência, interseccionando nas vulnerabilidades de um migrante, refugiado, LGBT e o fator de raça em alguns casos, a violência sofrida se torna ainda maior”, complementa.

Para a LGBT+Movimento, migrantes refugiados enfrentam algumas barreiras no processo para conseguir migrar: “apesar de recebermos pedidos de ajuda online, nosso auxílio para quem está fora do país se limita, principalmente informações e encaminhamentos, pois não conseguimos oferecer suporte para processos de visto ou custos de transporte para o Brasil ou outros países”.

“É fundamental que as políticas públicas brasileiras passem a contemplar a diversidade e as particularidades dessa população, garantindo um acolhimento digno e efetivo”, declara Torres.