Sábado, 6 de dezembro de 2025
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O diretor Kleber Mendonça mostra um Brasil de 1977 “cheio de pirraça” em seu novo filme O Agente Secreto. Quando decide fugir de seu passado violento e misterioso, se mudando de São Paulo para Recife com a intenção de recomeçar sua vida, Marcelo (Wagner Moura) encontra um cadáver no pátio de um posto de gasolina, um corpo que ninguém se deu ao trabalho de remover. Apesar de ser um plano de fundo, são detalhes como esse que retratam a época ditatorial, ou como o filme chama com um tom de ironia, de “período de grande confusão”.

Como de costume, Mendonça retorna a Recife da sua infância, com lendas urbanas e cinemas de ruas, trazendo um ar de suas obras anteriores, como Aquarius (2016). A fotografia impecável, com cores vibrantes ao mesmo tempo se contrastam com a angústia e problemas reais de cidadãos comuns durante os anos de chumbo da ditadura militar brasileira (1964-1985).

Dos pontos mais interessante da obra é a não concentração de uma única narrativa. Kleber utiliza elementos surreais e até de terror ao transitar entre realidade e ficção, o que chamou de “fronteira muito importante no cinema” durante a coletiva da 49ª Mostra de Cinema Internacional de São Paulo. O roteiro, por sua vez, brinca com mitos e verdades, trazendo alívio cômico através de elementos considerados folclóricos. A carismática Sebastiana (Tânia Maria), dona do prédio que abriga Marcelo, também ganha o público com seu humor natural, apenas reagindo a situações cotidianas, sendo um dos maiores acertos de Mendonça.

Conforme o segundo ato chega, os telespectadores ficam a par, de fato, do que está acontecendo com o personagem de Wagner Moura. Seja o motivo da sua fuga para a capital pernambucana, entre outros detalhes que foram guardados, agora de fato é apresentando como o regime militar afetou sua vida, mesmo não representando uma figura de ameaça ou de alto escalão, como foi o caso de Rubens Paiva em Ainda Estou Aqui (2024).

Conhecido pelas trilhas sonoras autênticas, neste filme não foi diferente. Com o passar dos acontecimentos em cada ato, a composição efervesce, em uma mistura confortável entre o real e o surreal, com melodias do clássico popular brasileiro e ritmos eletrônicos e até agonizantes.

Kleber Mendonça consegue unir temas relevantes para o Brasil e para o mundo em O Agente Secreto. Um país comandado por chefes de indústrias e policiais corruptos, forças que se beneficiam de seus contatos para fazer com que documentos desapareçam, ou sequer venham a existir. Todos são agentes duplos.

De forma inesperada, num quarto ato não anunciado, o final do filme pode ser frustrante para muitas pessoas, ao mesmo tempo que a direção consegue refletir precisamente: a conexão do Brasil e a memória. Seja durante a ditadura militar ou até mesmo do recente período político enfrentado, ecos que explicam a sociedade oprimida e em democracia.

Em Cannes, Moura foi eleito o Melhor Ator e Mendonça venceu Melhor Direção, o filme também levou a Premiação de Cinema de Arte e o prêmio da crítica da FIPRESCI. O Agente Secreto e Wagner Moura também concorrem no Gotham Awards, prêmio independente de cinema norte-americano que faz parte do circuito pré-Oscar, nas categorias Melhor Roteiro Original e Melhor Ator.

No Brasil, o longa chega aos cinemas nesta quinta-feira (06/11).