Sexta-feira, 12 de dezembro de 2025
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O livro Kollontai e a revolução: escritos sobre amor e luta, publicado pela editora Expressão Popular, traz 12 textos da feminista socialista russa Alexandra Kollontai. Produzidos durante o processo da Revolução Russa, os escritos tratam de tópicos diversos, como relações de produção e reprodução, afeto e sociabilidade, e a construção do que, à época, seria a “nova mulher”.

A obra, organizada por Annabelle Bonnet, Renata Couto e Maísa Amaral, membras do grupo Feminismo e Marxismo, mescla artigos mais conhecidos no Brasil, como O Amor e a Nova Mulher, com textos menos acessados no contexto brasileiro, a Sociedade e Maternidade.

Inclusive, Sociedade e Maternidade, publicado pela primeira vez em 1916, fez parte de um importante debate dentro da opinião pública russa sobre problemas da vida proletária: igualdade de direitos entre homens e mulheres no trabalho e na sociedade, a educação dos filhos, a saúde das mulheres, o amor livre e outros temas. 

A seleção dos textos no livro busca trazer aportes teóricos e práticos da tradição marxista ao projeto de emancipação feminista que “são pouco ou mal conhecidos até hoje”, de acordo com Bonnet. A pesquisadora de pós-graduação em ciências sociais na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro conversou com Opera Mundi e contou os detalhes da reunião das obras de Kollontai.

A escolha do material teria vindo de um longo processo de leitura, estudos e conversas da equipe, que fez um estudo cronológico da obra de Kollontai, tentando também “acompanhar os debates da época com o maior rigor possível”, segundo a organizadora. 

“No nosso livro indicamos a proveniência de cada um com cuidado, pois, como pesquisadoras, damos continuidade ao esforço coletivo de outros trabalhadores intelectuais que já se esforçaram para disponibilizar os textos”, disse Bonnet, sobre a busca pelos textos, retirados de lugares diversos. 

Para Bonnet, há uma dimensão de memória, que integra os estudos de gênero, explicando como os debates se formulam, em quais contextos e como evoluíram. “Conhecer esse passado na sua diversidade nos ajuda a pensar e agir sobre nossa própria contemporaneidade”, afirma.

E ela continuou: “o mais trabalhoso para esse projeto não foi encontrar os textos, mas sim estudar e organizá-los numa mesma unidade, trazendo ao mesmo tempo a dimensão histórica particular dos seus escritos e seu alcance além das fronteiras geográficas e temporais”.

Questionada pela reportagem se o trabalho de Kollontai permanece atual, a organizadora afirmou que a forma social capitalista, problematizada pela revolucionária, continua fazendo parte da nossa cotidianidade. 

“Kollontai conseguiu problematizar essas questões com o material e os recursos do seu tempo, particularmente graças ao método de [Karl] Marx e [Friedrich] Engels, que colocaram em evidência o carácter histórico e não universal dessa forma social, do mesmo modo que se apoiou nas contribuições de feministas marxistas muito influentes da época, como as de Clara Zetkin”, completou.

Coletânea 'Kollontai e a revolução: escritos sobre amor e luta' apresenta 12 textos e foi organizada e traduzida por membras do grupo Feminismo e Marxismo

Domínio Público

Alexandra Kollontai foi uma consagrada intelectual marxista e militante feminista socialista, uma das lideranças da Revolução Russa de 1917

Já o título do livro, Kollontai e a revolução: escritos sobre amor e luta, teria vindo, de acordo com a pesquisadora, de temas que atravessam os textos da revolucionária, do ato de amar dentro de uma sociedade dividida em classes sociais, estruturada em torno da competição entre trabalhadores. 

A russa teria insistido, particularmente, “na dimensão subjetiva das desigualdades produzidas e reproduzidas pela forma social capitalista, e resgatou com cuidado o fato de que combater o capitalismo significa combater um certo modo de vida, e não somente falar do Banco Central”, afirmou a organizadora.

Quem foi Kollontai?

Nascida em Moscou, em 03 de março de 1873, Alexandra Kollontai foi uma consagrada intelectual marxista e militante feminista socialista, parte das lideranças da Revolução Russa de 1917.

Foi a primeira mulher do mundo a ocupar o posto de ministra de Estado como comissária para o Bem-Estar Social e de Saúde do governo soviético após a revolução de outubro, e primeira embaixadora, a partir de 1926, tendo trabalhado na Noruega, Suécia, México e Finlândia. 

Teve destaque como propagandista, teórica, ativista e feminista socialista na luta contra a Primeira Guerra Mundial e pelos direitos da mulher trabalhadora e da infância, ao lado de Clara Zetkin, Rosa Luxemburgo e Nadejda Krupskaya. 

Entre seus escritos mais importantes, estão: A Sociedade e a Maternidade (1916), O Comunismo e a Família (1920) e Amor Vermelho (1927).

Confira um trecho do livro:

“Camaradas trabalhadoras! Por longos séculos, a mulher não teve liberdade e direitos, pois era tratada como um mero apêndice, como a sombra do homem. O marido sustentava a esposa, e em troca ela se curvava ao seu arbítrio, suportando quieta a falta de justiça e a servidão familiar e doméstica. A Revolução de Outubro emancipou a mulher: hoje, as camponesas têm os mesmos direitos que os camponeses, e as operárias, os mesmos que os operários. Em todo lugar, a mulher pode votar, ser membro dos sovietes ou comissária, e até comissária do povo. A lei equipara a mulher em direitos, mas a realidade ainda não a libertou: as operárias e camponesas continuam subjugadas ao trabalho doméstico, como escravas dentro da própria família. Os operários devem agora cuidar para que a realidade tire dos ombros delas o fardo da lida com os filhos e alivie às operárias e camponesas o peso dos serviços de casa. A classe operária também está interessada em liberar a mulher nessas esferas”.

(*) O livro foi disponibilizado no Clube do Livro Expressão Popular do mês de março para assinantes, e também está a venda pelo link