‘Eu, Capitão’: o trágico, sonho de querer viver na Europa
Obra dirigida por Matteo Garrone escancara os obstáculos por trás da migração voluntária
Considerado um dos projetos cinematográficos italianos mais marcantes do ano passado, Eu, Capitão apresenta um tema que é bastante pautado no cenário global: a questão migratória para a Europa.
Dirigido pelo cineasta romano Matteo Garrone, apresentado no Festival de Veneza de 2023 e um dos cinco finalistas do Oscar na categoria de Melhor Filme Internacional na edição de 2024, longa convida o espectador a acompanhar a jornada de dois jovens senegaleses que aspiram a construir uma carreira musical no Velho Continente.
Inspirada em experiências contadas por migrantes africanos, a história gira em torno de Seydou Sarr e Moussa Fall que residem em Dakar, capital do Senegal. Da forma como todo adolescente tem um sonho, as coisas não são diferentes para os dois jovens amantes do rap e compositores nas horas vagas.
Os primos, ambos na faixa dos 16 anos, decidem embarcar em uma viagem para a costa norte africana rumo à Itália, onde acreditam ter espaço para concretizar tais aspirações.
Só não imaginam que, até a península itálica, enfrentarão uma série de obstáculos.
Um detalhe do filme está no fato dele ser dirigido e assinado por, justamente, italianos. Apesar do retrato de vidas imigratórias, o enredo acabou, mais uma vez, sobrepondo os pressupostos eurocentristas em um roteiro que se baseia integralmente na história de residentes da África.
Por exemplo, a cena final de Eu, Capitão deixa a entender que o protagonista finalmente alcançou sua meta de chegar a um país da Europa, como se, a partir dali, a vida realmente fosse oferecer um sossego. Ou até mesmo a falsa sensação de um país europeu sendo um “paraíso acolhedor” após o “inferno” que é o trajeto da imigração.

Divulgação/Pandora FIlmes
Filme de Matteo Garrone estreou no Brasil no final de fevereiro
Sonhos da globalização
A questão migratória do filme não é fruto de perseguição política, guerra ou fome, e sim de um simples e genuíno desejo de querer se estabelecer “em um lugar melhor” onde se vê possibilidade para a fama. Seydou e Moussa esboçaram um retrato de “vida perfeita” e “alcançável” vendido pela globalização.
Em nenhum momento o filme menciona, mas implicitamente ele revela que sonhos não dependem meramente do talento, nem mesmo da paixão. Os pressupostos e pontos de partida são diferentes quando se compara um jovem branco, enquadrado nos padrões ocidentais da indústria capitalista, a outro jovem negro que, apesar da mesma idade, não tem as mesmas perspectivas.
Há uma crítica na obra de Garrone em buscar retratar o difícil e sufocante trajeto dos adolescentes migrantes atrás de um sonho, interferido por situações perigosas e fatais, fatores impensáveis a qualquer garoto que já esteja estabelecido na Europa e que o futuro dependa apenas de um simples “querer”.
O diretor italiano admitiu que conhecia as histórias de migração por meio de relatos da mídia tradicional. No entanto, curioso, o cineasta tentou entender o que acontecia antes dessas pessoas chegarem na Europa. Tal interesse o levou a visitar um centro de acolhimento de menores na comuna italiana de Catânia, onde teve a oportunidade de ouvir um jovem africano. A história do garoto que, com apenas 15 anos, conduziu um barco até a costa africana inspirou e deu origem ao Eu, Capitão.
O longa estreou nos cinemas brasileiros no final de fevereiro, com distribuição da Pandora Filmes.























