Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Começa na próxima semana uma retrospectiva de Adelia Sampaio, uma das diretoras mais importantes do cinema brasileiro. Organizada pelo Instituto Moreira Salles (IMS), com sessões em São Paulo e em Poços de Caldas, a mostra homenageia a cineasta e celebra sua trajetória de mais de cinco décadas no cinema.

Autodidata, Adelia Sampaio é considerada a primeira mulher negra a dirigir um longa-metragem no Brasil
(Foto: IMS)

Autodidata, Adelia é pioneira em diversos aspectos. Ela é considerada a primeira mulher negra a dirigir um longa-metragem no Brasil, Amor Maldito, em 1984. O segundo longa brasileiro feito por uma mulher negra a estrear comercialmente no país, O Caso do Homem Errado, de Camila de Moraes, é de 2017, o que revela o abismo de acesso a mulheres negras a cargos de poder no audiovisual e ressalta a importância do feito por Sampaio em 1984.

Seu filme Amor Maldito é tido também como um dos primeiros longas na América Latina a tematizar um relacionamento lésbico de forma aberta e sem estigmas. Trata-se de uma denúncia da lesbofobia da sociedade à época, com uma história de tribunal, no qual Fernanda (Monique Lafond) é acusada de assassinar sua namorada Sueli (Wilma Dias), que havia cometido suicídio. A obra é inspirada em fatos reais, e sua realização foi motivada pela indignação de Adelia em notar o sensacionalismo com o qual a mídia estava tratando o caso.

“Amor Maldito”, de 1984, é tido como um dos primeiros longas latino-americanos a tematizar um relacionamento lésbico de forma aberta e sem estigmas
(Foto: IMS)

O filme será exibido na abertura da mostra, no dia 16/09, em uma sessão gratuita e seguida de debate com a própria Adelia Sampaio, a cineasta e roteirista Renata Martins e a pesquisadora Edileuza Penha de Souza, uma das grandes responsáveis por resgatar e visibilizar a obra de Adelia.

Conhecida sobretudo por seu longa-metragem pioneiro, Sampaio dirigiu também diversos curtas-metragens, que ganham espaço na mostra do IMS. Denúncia Vazia (1979) é seu primeiro trabalho de direção e traz um olhar para dois velhinhos que decidem suicidar-se após receberem uma intimação de despejo diante da impossibilidade de pagamento do aluguel. Além de outros curtas dos anos 1980 e 1990, filmes mais recentes da diretora compõem a curadoria: O Mundo de Dentro (2018) e Olhar dos Anos 60 (2024) abordam a geração de 1960 e o choque dos casos de HIV que começaram a surgir no período pós-ditadura.

Serão programadas também obras produzidas por Adelia, como O Segredo da Rosa (1974), de Vanja Orico, que será exibida em uma nova cópia digital 4K, e Parceiros da Aventura (1979), de José de Medeiros, exibido em película 16mm. Com elenco formado 70% por atores negros, o filme de 1979 teve enorme dificuldade de conseguir financiamento junto ao órgão responsável à época, Embrafilme, que acreditava que “filme com negros não vendia”.

Mesmo com o menor orçamento aprovado, a obra foi realizada e, segundo Sampaio, “foi para Gramado, ele ganhou prêmios e se pagou, porque ‘preto não vende’. Porque se vendesse…”. “Conseguimos com isso fazer o filme, e o filme tá aí, é preciso a gente acreditar que um filme com 70% de atores negros vende. E tá provado, Parceiros da Aventura tá aí”, afirma Adelia Sampaio em depoimento no folheto de divulgação da mostra.

Por fim, o IMS deu liberdade à homenageada para que escolhesse uma seleção de obras de outros diretores para serem exibidas junto às suas. Foram então incluídos na programação três de suas referências cinematográficas: Xica da Silva (1976), de Cacá Diegues, Rio, Zona Norte (1957), de Nelson Pereira dos Santos e, também de Carlos Diegues, Chuvas de Verão (1978).

A mostra é uma ação fundamental de visibilidade e destaque para a trajetória e filmografia de Adelia Sampaio, em um processo de luta contra o apagamento. Iniciativas como essa constroem espaços de revisão do que deve ser lembrado e do que pode ser esquecido. Elas se somam aos esforços, cada vez mais caudalosos, advindos das diversas áreas (crítica, pesquisa, curadoria etc.), que articulam uma recuperação histórica ao se proporem a olhar em retrospecto pelas frestas e nos permitem vislumbrar um futuro um pouco menos cruel com o passado das mulheres e das pessoas negras.

A Retrospectiva Adelia Sampaio  Se Eles Apagam, a Gente Reescreve acontece de 16 a 30 de setembro, em São Paulo, e de 20 a 28 de setembro, em Poços de Caldas. A programação completa pode ser consultada aqui

(*) Graduada em Audiovisual pela ECA-USP, Nayla Guerra é produtora cultural na Cinemateca Brasileira e organizadora do coletivo Cine Sapatão. É autora do livro Entre Apagamentos e Resistências (Editora Alameda, 2023) e diretora do filme Ferro’s Bar (2023).