Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Antes de se tornar um best-seller e estourar nas bilheterias de todo o mundo, a trilogia Millennium, do escritor sueco Stieg Larsson, era prevista para se tornar uma saga de dez volumes. Acabou se resumindo a três em razão da prematura morte ao autor em novembro de 2004, aos 50 anos, em decorrência de um ataque cardíaco após ter subido sete lances de escadas em seu escritório em Estocolmo justamente no dia em que o elevador do local não funcionava.

[O escritor Stieg Larsson]

As duas continuações norte-americanas do filme “Os Homens que Não Amavam as Mulheres”, cuja  readaptação hollywoodiana recebeu cinco indicações ao Oscar em 2011, estão planejadas, mas ainda sem previsão de lançamento – na Suécia, as três histórias foram filmadas. O que poucos sabem é que existe uma possibilidade, ainda que remota, de um quarto episódio ser produzido.

O que torna o sonho de milhares de fãs muito improvável é que os conflitos envolvendo a herança de Larsson chegaram a um impasse jurídico e familiar de difícil solução, num caso o que já valeria um filme por si só.

Antes de morrer, Larsson teria escrito cerca de dois terços, aproximadamente 200 páginas, do volume IV da série, que receberia o título de “A Vingança de Deus”. Só depois do falecimento a trilogia foi lançada nas livrarias, vendendo aproximadamente 63 milhões de exemplares e o transformando em um dos escritores mais populares do século XXI.

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Foi quando teve início uma batalha entre a viúva, a arquiteta Eva Gabrielsson, e a família do escritor. De acordo com a legislação da Suécia, como Larsson não deixou herança e não era casado com Gabrielsson – apesar de um relacionamento de 30 anos – seus bens pertencem aos parentes diretos, no caso, o pai Erland e o irmão Joakim. Isso incluiria também o laptop em que Stieg escrevia o quarto episódio da série. Eva Gabrielsson nega mas é talvez a única pessoa que saiba onde ele está.

[Primeira edição sueca de “Os Homens que Odiavam as Mulheres”]

Procurada por Opera Mundi, ela não quis dar entrevista. “O que eu tinha a dizer está no meu livro”, afirmou. Gabrielsson se refere à obra lançada em 2011, Millennium, Stieg och Jag (”Millennium, Stieg e Eu”, no original em sueco) junto com a jornalista francesa Marie-Françoise Colombani. No livro, Eva conta sobre lugares e pessoas que ela e Stieg conheceram juntos e que inspiraram a trilogia. Procura provar o que foi a razão de sua briga com a família do escritor: que, sem ela, não haveria Millennium. Por esse motivo, diz ser a pessoa mais capacitada para completar o texto que o companheiro deixou. Numa rara entrevista, num evento de divulgação de seu livro, disse que não pretende falar mais sobre ”aquele tal computador”.

“A família dele já ameaçou ir à Justiça atrás de todo material que Stieg possa ter deixado. Algum texto número 4 nós provavelmente jamais veremos terminado. O computador não pode ser tocado por ninguém que não tenha direito legal para isso pois contém informações sobre as fontes jornalísticas que são protegidas por lei” afirmou ao jornal Sydsvenskan na ocasião.
 

História estava quase completa antes da morte de escritor sueco; trilogia já vendeu 63 milhões de livros

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Foi em “Millennium, Stieg e Eu” que Eva revelou a existência das 200 páginas de um quarto episódio. Os advogados dela e da família Larsson chegaram a tentar um acordo, sem sucesso. Ela queria o direito de concluir o livro. Por outro lado, a família do escritor ofereceu a Eva o apartamento em que ela e Stieg moravam além de o equivalente a R$ 5 milhões para que ela abrisse mão do material.

“Bom roteiro”

“Eu também não gostaria de ver um Millennium 4 como um livro. Mas estou convencido de que o roteiro daria um ótimo filme de Hollywood sob a direção de David Fincher” diz o jornalista Kurdo Baksi, amigo de Stieg Larsson.

Os dois trabalharam juntos quando a revista Expo, para onde Stieg Larsson escrevia, fundiu-se com a publicação criada por Baksi, chamada Svartvitt. Ambos eram ativistas contra a intolerância e o racismo dos movimentos de extrema-direita na Suécia do início dos anos 1990 – uma das razões pela qual Larsson preferiu não se casar com a esposa, para protegê-la de seu sobrenome; curiosamente, caçar rastros de nazistas é o trabalho de um dos protagonistas, Mikael Blomqvist, consierado a personificação de Larsson na saga. Baksi também escreveu um livro sobre sua relação com o autor da trilogia Millennium (“Stieg Larsson, meu Amigo”) e causou polêmica ao criticar o talento de Larsson como jornalista.

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O que a hacker prodígio Lisbeth Salander (aqui interpretada por Noomi Rapace) faria para resolver o impasse de Larsson?

Baksi também não tem boa relação com Eva Gabrielsson, a quem critica pelo quarto episódio de Millennium jamais tornar-se conhecido. “Eu gostaria que a família de Stieg e a mulher dele pudessem ter uma boa convivência. Mas é ela quem recusa qualquer contato. Ela quer controlar todos os direitos econômicos, culturais e afetivos. Não aceita compromisso e recusou a proposta da família. Acho que Stieg sente-se triste no céu com isso” afirma.

Testamento

A disputa pela herança de Stieg Larsson poderia incluir ainda mais uma parte. Após a morte do escritor, Eva Gabrielsson encontrou uma carta-testamento que ele escreveu no fim dos anos 1970 doando todos os seus – então poucos – bens ao escritório do Partido Trabalhista Comunista (hoje Partido Socialista) na cidade de Umeå, no norte da Suécia e perto da terra natal dele. Na época, Stieg Larsson partira para a Eritreia para treinar guerrilheiras na luta pela independência contra a Etiópia. Na carta encontrada por Eva, o autor deixara a mensagem “não abrir antes de eu morrer”.

O testamento jamais foi registrado em cartório e por isso não tem valor juridício. Mesmo que tivesse, o pequeno partido, que disputou a eleição em somente 5 dos 290 municípios da Suécia, não faria uso dos milhões dos royalties de Millennium.


Trailer oficial do filme de David Fincher

“Que eu saiba, Stieg jamais comentou com qualquer pessoa sobre esse testamento. Mas, desde que essa história surgiu, a posição do nosso partido sempre foi a de que Eva Gabrielsson é a verdadeira herdeira de tudo o que ele adquiriu mais tarde em sua vida”, diz Hakan Blomqvist, membro do partido e que trabalhou com Stieg Larsson na revista ”A Internacional” na década de 1970. “Naquela época, nós não poderíamos sequer imaginar o que viria a acontecer um quarto de século mais tarde” completa.

Segundo entrevista do irmão de Stieg, Joachim, o autor teria lhe revelado em conversa por e-mail que o novo volume já estava praticamente pronto mas que, na verdade, tratava-se da quinta parte da série, já que “ele achava essa parte mais divertida que a quarta”. Em outro e-mail enviado a um amigo, ele teria dito que o começo e o fim já estavam concluídos, faltava o meio.

Para satisfazer a ânsia dos fãs, um outro texto de Stieg Larsson deverá ser publicado em breve em inglês. Trata-se de um conto de ficção científica dos muitos publicados pelo jornalista nos anos 1970 na Suécia. Ainda não há previsão de publicação para o português.