Sábado, 6 de dezembro de 2025
APOIE
Menu

Pamonha, bolo de fubá e outros derivados do milho estão bastante presentes na vida de um brasileiro, ainda que ele em geral desconheça a trajetória dessas receitas até chegarem à mesa. Mas a história do milho é grandiosa e importante em vários sentidos.

Leia mais:
Pesquisa de cientista português descobre terapia contra tipo de cegueira

Primeiro, deixemos de lado a discussão em torno de carnes e vegetais: o homem não é nem carnívoro, nem herbívoro, mas granívoro. Grãos são o alimento mais consumido no mundo, vide o que se planta e se ingere por aí de trigo, cevada, centeio, aveia, arroz e milho.

Wikicommons

Milho é originário da Mesoamérica e do México – mais especificamente do estado de Oaxaca, no sul, na zona de Guilá Naquitz

Eles correspondem a nada menos que 70% da superfície cultivável do planeta e são todos espécies de gramíneas, a família dos capins, gramas, relvas e bambus. Mais interessante, ainda, é que eles conformam certa geografia global, na que cada povo costuma ser associado a um grão: o Oriente ao arroz, a Europa ao trigo e à cevada, e o México e a América Central, ao milho.

No caso mexicano, não é só pelos hábitos alimentares. Domesticado há pelo menos 7 mil anos, o milho é originário da Mesoamérica e do México – mais especificamente do estado de Oaxaca, no sul, na zona de Guilá Naquitz. Lá, além do sustento básico, o milho dava também para cerimônias religiosas, políticas e sociais, aliás como acontece com a maioria dos grãos, que são a base preferida das bebidas alcoólicas (cevada e trigo para a cerveja e o whisky, arroz para o saquê e milho para bebidas fermentadas de origem ancestral, como a chicha e o tesgüino).

Leia mais:
Eduardo Galeano será candidato ao Parlamento do Uruguai

A planta que deu origem ao que hoje conhecemos como milho chama-se teosinto ou “teocintle”, que significa “grão divino” no idioma indígena náhuatl e é caracterizada por espigas diminutas. Seu cultivo foi manipulado pelas culturas pré-hispânicas para gerar a espiga atual, utilizada integralmente para gerar diferentes produtos — e não só alimentares.

Wikicommons

Entre grãos, produção de milho só perde para trigo e arroz

Por exemplo, a pipoca, que recebe os mais diferentes nomes na América (“popcorn” nos Estados Unidos, “poporopo” na Guatemala, “rositas de maíz” em Cuba, “cocaleca” na República Dominicana, “crispetas” na Colômbia, “cotufas” na Venezuela, “cancha” no Peru, “canguil” no Equador, “pororó” no Paraguai, “cabritas” no Chile e “pochoclos” na Argentina), era conhecida pelos astecas como “momochtli” e utilizada em colares durante as cerimônias religiosas.

Já o milho em si, dito “maíz” em espanhol, tem um nome dado pelos taínos (indígenas pré-colombianos que habitavam as Bahamas, as Grandes Antilhas e as Pequenas Antilhas do Norte) que os espanhóis identificaram em sua passagem pelo Caribe.

Pois foi com as grandes navegações do século XVI e o início do processo de colonização da América que a cultura do milho se expandiu para outras partes do mundo. Hoje, é cultivado e consumido em todos os continentes e sua produção só perde para a do trigo e do arroz.

Porém, o México saiu na frente de novo ao desenvolver um importante processo chamado de “nixtamalización” (do náhautl “nextli”), que corresponde a colocar cal no milho para amolecê-lo, separar a casca e conservá-lo.

Ao passar por esse processo de cozinha alcalina (contrário de ácida), o milho sofre uma transformação química, onde é favorecida a disposição de cálcio, aminoácidos e niacina (vitamina B3), que o tornam mais assimilável e nutritivo ao corpo humano.

Em sociedades que não tratam o milho dessa maneira, é comum a existência de “pelagra”, causada por uma dieta insuficiente em niacina ou de aminoácido triptófano. Com a massa de nixtamal se fabricam mais de 600 receitas, entre elas as quesadillas, os totopos, tacos e pozoles mexicanos.

Domesticado há pelo menos 7 mil anos, alimento é originário da Mesoamérica e do México - no estado de Oaxaca, sul

NULL

NULL

No México antigo, não se fala de milho sem fazer referência à “milpa”, um sistema agrícola que combina a plantação de diversas variedades de milho, feijões e abóboras. Era essa a maneira ancestral de proteger o cultivo dos grãos e de garantir que eles continuassem crescendo.

Vale lembrar que, sem o homem, o milho não existiria. É verdade que as folhas que o envolvem o protegem do clima, da umidade e das pragas. Mas, ao mesmo tempo, é o único que precisa do homem para sua reprodução, porque o grão da espiga de milho nunca cai no chão, nem mesmo seco — ao contrário dos outros, que são semeados dessa maneira.

Wikicommons

Grãos de milho desidratados, de Oaxaca, no México

Além da “milpa”, os mexicanos desenvolveram técnicas de armazenamento das espigas em pequenas covas, que depois evoluíram para o “cuescomate” — lugar tradicional de conservação que ainda se utiliza em algumas comunidades e que é símbolo de abundância e fertilidade.

Aliás, o papel do milho na cosmogonia dos povos centro-americanos é central. Ele aparece representado como divindade desde da antiga civilização dos olmecas até a deusa Tonan ou Cozamiauh (“espiga de milho”), adorada no México à chegada dos espanhóis. Já segundo a crença maia, o homem é feito de milho.

Mesmo tendo escrito a história do milho, o México é hoje o quarto produtor do grão no mundo com cerca de 22 milhões de toneladas ao ano, atrás do Brasil, em terceiro lugar, com 53 milhões. Aqui, o milho é plantado principalmente nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul e transformado em óleo, farinha, amido, margarina, xarope de glicose e flocos para cereais matinais.

No final da década de 1950, por causa de uma grande campanha em favor do trigo, ele perdeu espaço na mesa brasileira. Muito diferente da mexicana, onde existem atualmente 61 tipos de milho identificados e que fazem parte de todas as refeições do cidadão mais pobre ao mais rico.

A paixão vai além: dizem por lá que quando o petróleo acabar, há patentes para produzir no país um equivalente a partir do milho.