Cartas a um soldado anônimo: londrinos criam histórias para militares da Primeira Guerra
Exposição em Londres deixa visitantes escreverem correspondências a soldado desconhecido, em lembrança aos 100 anos da entrada do Reino Unido no conflito
Divulgação
Mandar uma carta para um soldado no front durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) era o tipo de missão que podia se tornar uma verdadeira batalha. Em dezembro de 1914, estima-se que mais de 2 milhões de correspondências foram enviadas – uma delas chegou a ser repostada 257 vezes. Durante todo o confronto, cerca de 2 bilhões de cartas e 114 milhões de encomendas foram entregues pelo correio britânico.
[Monumento na estação de Paddington, em Londres]
Não por acaso, um dos memoriais da Primeira Guerra em Londres é a estátua de bronze de um soldado lendo uma carta – inaugurado em 1922 no terminal 1 da estação de CaPaddington, o monumento presta uma homenagem aos funcionários da extinta companhia de trem Great Western Railway que morreram no conflito.
Cem anos depois do início da guerra que envolveria mais de 30 países em quatro anos de duração, um grupo de artistas está fazendo uma espécie de releitura deste memorial. Parte de um amplo programa de arte comissionada (por encomenda) que começa este ano e vai até 2018, o 14-18 Now, o projeto “Carta a um Soldado Desconhecido” convida o público a criar uma história para este soldado anônimo e imaginar o que ele estaria lendo. “A ideia é oferecer as pessoas a oportunidade de se envolverem diretamente.
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Até 4 de agosto, dia em que o Reino Unido entrou na guerra em 1914, todas as cartas recebidas serão postadas no site. Muitas delas têm histórias pessoais e focam em um tema específico. Será um memorial de guerra único e moderno”, explica Sarah Goodfellow, produtora do evento, em entrevista a Opera Mundi. Futuramente, as cartas escritas serão incorporadas à coleção permanente da British Library.

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Íntegra da carta de Stephen Fry Querido irmão, Já se passou tempo suficiente para pensarmos uma única coisa: que nós nunca mais vamos vê-lo novamente. A última vez que tive notícias suas você estava alegre e engraçado, como sempre. Lembra de quando eu te disse que iria me declarar um opositor? Vi um olhar de reprovação nos seus olhos: “Meu irmão, um covarde?”. Aquilo quase me matou. Eu daria tudo para estar em seu lugar, um herói respeitado e em paz – e não apenas por casa dos insultos que recebi, agressões e pedras jogadas por motoristas de ônibus, comerciantes e crianças nas ruas. Todas as noites mamãe e papai soluçam enquanto tentam engolir a comida. Vou comer em outro cômodo. Eles não podem olhar para mim. Eu tento não ter pena de mim mesmo, mas eu acredito que é errado matar. Eu tomei minha decisão, você tomou a sua. Sua coragem inquestionável será lembrada pela eternidade. Eu vou morrer orgulhoso de você e com vergonha de mim. Apesar de achar que estou certo. |
Lançado no dia 21 de maio, o programa está mobilizando instituições de todo o país, entre escolas, penitenciárias e hospitais. “O objetivo é atingir um grupo bem diversificado para termos pontos de vistas bem distintos sobre a guerra”, complementa Sarah. Cinquenta escritores também foram convidados a participar, entre eles o poeta Benjamin Zephaniah, a dramaturga Caryl Churchill e o escritor e ator Stephen Fry. A carta de Fry, escrita do ponto de vista de um irmão que não quis ir para guerra para outro que teria morrido no confronto, foi uma das que mais emocionou a equipe.
Outro projeto comissionado pelo 14-18 Now é uma versão contemporânea da camuflagem de navios britânicos usada para confundir submarinos alemães. Inspirada no cubismo e em outras artes de vanguarda, o padrão geométrico com listras irregulares dos chamados 'dazzle ships' criava um efeito óptico que dificultava a localização do navio no mar. Na época, a criação desse formato era levada tão a sério que artistas da Royal Academy of Arts eram convidados para elaborar os desenhos. O venezuelano Carlos Cruz-Diez, um dos principais nomes da arte cinética internacional, recriou a pintura do histórico navio Edmund Gardner, pertencente ao Merseyside Maritime Museum de Liverpool. Idealizada em parceria com a Tate Liverpool e a Liverpool Biennial, a nova versão da camuflagem pode ser vista no porto da cidade até 2015. Já em Londres, o artista alemão Tobias Rehberger assina a intervenção no HMS President, exibido em Victoria Embarkment.
A maior parte das atrações deste ano acontecem entre o dia 28 de junho, quando o assassinato do arquiduque da Áustria Francisco Ferdinando em Sarajevo marcou o início da Primeira Guerra, e 4 de agosto, quando o Reino Unido entrou no confronto. Entre dez e onze da noite deste dia, horário exato em que os ingleses declararam guerra à Alemanha em 1914, diversos artistas vão exibir projeções em todo o Reino Unido. Entre eles, a indiana Nalini Malani, que trata de questões como a condição da mulher em situações de conflito e refugiados de guerra – sua instalação In Search of Vanished Blood será projetada na fachada de um prédio em Edimburgo, na Escócia.
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Último evento deste ano, o Lights Out também vai convocar as pessoas para um “apagão coletivo” neste horário, deixando apenas uma iluminação com velas. A inspiração para o projeto é a famosa frase dita neste dia por Edward Grey, secretário de Relações Exteriores na época: “As luzes estão se apagando em toda a Europa. Esperamos não vê-las acesas em nosso tempo de vida”
Wikimedia Commons

Navio inglês da Primeira Guerra Mundial; exposição em Londres permite a criação de histórias para soldados























