Sexta-feira, 12 de dezembro de 2025
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Parte do epitáfio do compositor Villa Lobos foi:

“Estou aqui de passagem para fazer um barulho que o Brasil escute”

Ontem na posse, Lula subiu a rampa do Planalto ladeado por representantes do povo brasileiro que, logo após, pelas mãos de uma catadora de materiais reciclados, passariam a faixa presidencial ao eleito ao som da composição “Trenzinho do Caipira”, de Heitor Villa-Lobos.

“Trenzinho do Caipira” faz parte das Bachianas N⁰ 2 e foi composta entre os anos de 1930 e 1945, período em que a obra de Villa-Lobos se mimetiza ao complexo projeto de desenvolvimento nacional getulista.

Em 1976, o poeta maranhense Ferreira Gullar escreveu e publicou um poema no livro “Poema Sujo”, inspirado pela música do Villa e pelas lembranças das viagens de trem que fazia com seu pai, no trajeto entre São Luiz e Teresina:

 

“Lá vai o trem com o menino

Lá vai a vida a rodar

Lá vai ciranda e destino

Cidade e noite a girar

 

Lá vai o trem sem destino

Pro dia novo encontrar

Correndo vai pela terra

Vai pela serra

Vai pelo mar”

De alguma maneira, a execução de 'Trenzinho do Caipira' no ritual da posse presidencial nos remete a trajetória de modernização do nosso país

Ricardo Stuckert e Bruno Stuckert

Bandeira do Brasil estendida em meio à maré vermelha durante a posse de Lula

Em 1977, o compositor Edu Lobo, discípulo do mestre Villa-Lobos, se encantou pelo poema de Ferreira Gullar e propôs a parceria que resultou na versão com letra de “Trenzinho do Caipira” registrada no álbum “Camaleão”, lançado em 1978.

O desejo maior de Villa-Lobos era que o diálogo entre o Brasil rural e o urbano promovesse a construção de um país mais justo e consequentemente mais musical, sendo assim menos desigual. Ferreira Gullar e Edu Lobo reconduziram esse desejo.

De alguma maneira, a execução de “Trenzinho do Caipira” no ritual da posse presidencial nos remete a trajetória de modernização do nosso país. Perversa, desigual, repleta de marginalizados e de histórias interrompidas.

Que o sonho do Villa não fique apenas na subida da rampa, que vá além do gesto. É urgente que se espraie pelas cidades, vilas e ruas do Brasil a justiça social e as políticas públicas, e que essa música com muitas cores e ancestralidades diferentes seja ouvida por todo povo brasileiro.

 

“Lá vai o trem sem destino

Pro dia novo encontrar

Correndo vai pela terra

Vai pela serra

Vai pelo ar

 

Cantando pelas serras do luar

Correndo entre as estrelas a voar

No ar, no ar, no ar”