Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Em A Melhor Mãe do Mundo, a cineasta Anna Muylaert tece um drama social tão delicado quanto potente, protagonizado pela atriz Shirley Cruz em uma performance visceral. A diretora, que já explorou maternidade em produções como Que Horas Ela Volta? (2015) e Durval Discos (2002), apostou novamente no retrato íntimo de uma mãe que encontra forças para proteger os filhos. “É sobretudo sobre força, amor supremo, perseguir e ir em frente”, define.

O filme, que estreou na quinta-feira (07/08), abre com uma cena que poderia ser o fim: Gal, uma catadora de materiais recicláveis, denunciando o marido, Leandro (Seu Jorge), na delegacia da mulher. Mas, como a diretora explicou, a obra “anda no fio da navalha entre o lírico e a violência”.

A narrativa acompanha a jornada de Gal e seus filhos, Rihanna (Rihanna Barbosa) e Benin (Benin Ayo), pelas ruas caóticas de São Paulo, transformando o desespero em uma “aventura” para protegê-los.

Shirley Cruz descreveu o filme como uma história sobre “força, amor supremo e persistência”. Gal, mesmo sem recursos, cria um universo de afeto para as crianças – todas corintianas e que têm o desejo de conhecer o estádio em Itaquera, um detalhe que humaniza a família. Diferente do menino que entra na brincadeira da mãe, sua filha mais velha percebe que tem algo de diferente acontecendo.

A trilha sonora é outro elemento-chave: os sons traduzem a angústia da fuga e o ritmo frenético da cidade, compondo uma atmosfera sonora que dialoga com o estado emocional da protagonista. Muylaerte navega com precisão, entregando um drama potente e emocionante, que provoca reflexão sobre as múltiplas formas de violência contra a mulher e a força que nasce da urgência de sobreviver.

Através da fotografia detalhada e com um olhar sensível de Lílis Soares, é possível analisar a construção da narrativa em São Paulo, seja pelo risco de conduzir uma carroça nos acostamentos das grandes avenidas, o peso do trabalho em galpões cercados de concreto em ruas quase desertas e pelas praças onde, à noite, pessoas em situação de rua formam pequenas comunidades.

Shirley Cruz protagoniza uma catadora de latinhas que faz de tudo para tirar seus filhos de um ambiente violento

Shirley Cruz protagoniza uma catadora de latinhas que faz de tudo para tirar seus filhos de um ambiente violento
@bionicafilmes | Divulgação | Instagram

Apesar da temática do filme, não há cenas de agressão física ou sexual; as ameaças são insinuadas, e o terror se manifesta nos silêncios, nos olhares e na linguagem corporal da protagonista. Shirley Cruz constrói uma Gal perturbada e fragmentada, cujo corpo fala mais que suas palavras. “Seus olhos são a janela da alma”, comentou a diretora.

O filme explora o abuso da vulnerabilidade e escancara a invisibilidade das mulheres negras, periféricas e a naturalização da violência, mas evita discursos fáceis. A família de Gal, por exemplo, minimiza sua situação que é normal o marido trair ou agredir, enquanto a sociedade ignora sua existência.

Muylaert confirma seu olhar único para histórias marginalizadas. O filme não oferece respostas fáceis, mas celebra a resistência silenciosa de milhões de Gals brasileiras. Sendo um retrato daquilo que frequentemente está no nosso dia, mas que aprendemos a não ver.