Visibilidade, gringos e orgulho: o que os paraenses estão achando da COP30?
Opera Mundi foi às ruas de Belém para saber o que a população local está pensando do evento que levou 50 mil pessoas para a cidade portuária
Apesar das muitos e pesados questionamentos recebidos pela imprensa estrangeira e também pela imprensa sul-sudestina brasileira, a população de Belém parece ter outra percepção sobre o que significa a realização da 30ª Conferência das Partes das Nações Unidas (COP30) na cidade, não isenta de críticas, mas com maior equilíbrio entre prós e contras.
Cerca de 50 mil pessoas desembarcaram na capital paraense, uma das maiores zonas urbanas da Amazônia, para participar do evento. Na abertura do evento, na última segunda-feira (10711), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ofereceu aos mais de 7 mil delegados presentes, representantes de 194 países, conselhos sobre como aproveitar a culinária e, sobretudo, a hospitalidade do povo paraense.
A orientação vem sendo seguida à risca. Delegações internacionais, ainda com o crachá no pescoço, estão se deliciando com pratos como a maniçoba, o tacacá, o pirarucu e o filhote. A recepção paraense, como salientou o presidente, é superlativa.
Para o o funcionário público Eliziário Alves, “Belém está acolhendo os visitantes da melhor maneira possível e estamos muito felizes. A COP está dando visibilidade para a cidade”.
“Historicamente, a Região Norte foi discriminada pelo Sudeste e pelo Sul do país. É uma gratificação imensa ter um evento desta magnitude em nossa cidade”, celebrou Eliziário Alves, morador do Souza, bairro localizado nas proximidades do Parque da Cidade, onde ocorre o evento.
Pesquisa divulgada pelo Ministério do Turismo em 6 de novembro revela que 80% dos paraenses estão otimistas com os benefícios da COP na economia local. Entre janeiro e outubro deste ano, houve um aumento de 22,38% de novas empresas na cidade, “todas micro e pequenas”, destaca reportagem do Jornal do Brasil.
Bar da COP
Foi nesta onda de otimismo que Jurandir da Silva, vizinho de Eliziário, decidiu comprar o ponto do karaokê de uma amiga, aonde ele cantava, para transformá-lo em um ponto de encontro dos moradores do Conjunto Imperial do Pará. “Fiz a proposta em um dia e saí com o contrato do bar no outro”, relatou Silva, que conduz o bar com a filha, Natasha da Silva.
A jovem de 28 anos estuda Farmácia e administra o bar, após a faculdade. “Um dia ele acordou e disse, ‘eu vou abrir um bar e já tem nome: Cop 30 Beer’. Um mês depois, nós abrimos e foi um sucesso. Contratamos música ao vivo e a rua lotou de gente. Aqui é um bar da família, todo mundo se ajuda”, relatou Natasha.

Bar do seu Jurandir, morador do Souza, a meia hora do Parque da Cidade
Natasha da Silva / Arquivo pessoal
Natasha ainda não teve tempo de ver como ficou a reforma da Doca, principal cartão-postal de Belém, às margens da Baía do Guajará. “Até porque, o trânsito não está muito favorável”, comenta ela.
Em sua avalição, a COP só terá validade se “realmente pautar o que deve ser discutido em relação à Amazônia: a questão dos minérios que temos, as demandas dos povos indígenas que têm um papel importante de fala. Se isso for pautado, pensando em preservação, aí será interessante”.
‘Várias realidades coexistindo’
O estudante de Ciências e Sistemas de Informação, João Gustavo de Jesus, também desconfiou da COP princípio, mas ao transitar pelo setor azul, a área reservada às delegações no evento, ele mudou de ideia. “Meus amigos diziam que a COP era só lobby, discussão de quem desmataria mais ou não; mas, realmente, tem gente discutindo o clima”, afirma.
“A COP não é uma coisa ou outra, não é zero ou um. São várias realidades coexistindo. A gente observa as lideranças e tantas pessoas de fora, e pensa: eles estão realmente preocupados com a Amazônia?”, questionou.
João Gustavo lembra que já foram várias edições da COPs. “Elas são feitas para discutir o que os países vão fazer. Agora, se eles farão ou não, não é culpa da COP, mas sim dos países. Veja que os Estados Unidos nem vieram”, observou.
Sua irmã, Nívia de Jesus, mestranda em Ciências Ambientais, também na zona azul, está gostando da dinâmica internacional do sistema da Organização das Nações Unidas (ONU). “É lindo ver as pessoas conhecendo a cultura amazônica e colocando Belém no centro do debate”, afirmou, ao explicar que a capital paraenses “é Amazônia urbana e ainda existe a Amazônia dos povos indígenas e quilombolas”.
“Estou vendo as pessoas admiradas, descobrindo as nossas coisas”, comentou ao relatar o caso de uma visitante encantada com a chuva na cidade. “Parece que vai acabar o mundo e, de repente, ela passa. É o nosso toró ou a chuva das três. Sempre chove às 15h e sempre combinamos de sair, antes ou depois da chuva”, contou.
João Gustavo está desenvolvendo uma pesquisa sobre a COP30. Ele criou um sistema que o permite medir o sentimento das pessoas – a partir da categoria positivo, neutro ou negativo – nos comentários das notícias sobre a COP postadas no Instagram. A pesquisa está em curso, mas João Gustavo revela que a postura mais negativa sobre a COP está na imprensa de outras regiões do país. “Nos posts das mídias da região Norte, eles são mais positivos”, afirma.
Obras
A meia hora de Uber do Souza, fica o Curro Velho, onde ocorreu nesta semana um grande ato da juventude na COP. Segundo as estudantes Débora Barata e Cibele Maciel, ambas do Afronte – Juventude Sem Medo, é preciso lembrar a série de problemas que ocorreram durante a preparação da COP30 na cidade.
“Nosso papel como militância é mostrar que existe toda uma comunidade que está sendo prejudicada. As pessoas vêm, olham as coisas bonitas que o governador fez, mas existe muita gente prejudicada. O Afronte – Juventude Sem Medo está aqui em peso para mostrar a nossa revolta”, apontou Barata.
As duas relataram que entulhos e dejetos das construções para a COP foram jogados na Vila da Barca, uma das maiores favelas de palafitas da América Latina, onde moram sete mil ribeirinhos, 80% em palafitas. “Eles estão sofrendo com isso visto que os dejetos de todas as construções foram jogadas lá” destaca Maciel.
Segundo reportagem do site Alma Preta, em meio ao calor de Belém, os moradores estão tendo de deixar portas e janelas para “evitar a poeira no local, que causa problemas de pele e respiratórios à população. A umidade e entulhos também ajudam na proliferação de ratos e insetos”, denuncia o texto.
Na avaliação de Maciel, a COP “está vendendo o Brasil em diversos idiomas, mas o que eles querem tratar? E a discussão com a população daqui de Belém? Não teve, não tem. Eles fizeram uma maquiagem da cidade e transformaram nesse evento”, criticou.

Débora e Cibele, militantes do Afronte – Juventude Sem Medo
Tatiana Carlotti/ Opera Mundi
Olhos voltados para Belém
Um motorista de Uber, que preferiu permanecer anônimo, tem uma avaliação diferente. Ele aprova as obras na região e o fato de que “o mundo inteiro está de olho em Belém”. Em sua avaliação, agora a cidade está bonita. “Antes estava bagunçada, mas eles ajeitaram tudo. Essas obras não têm um ano e graças a Deus, eles conseguiram concluir”, afirmou.
O Parque da Cidade, onde acontecem os eventos, “era um antigo aeroclube, só tinha carcaça de avião e ferro velho”. Ele também comemorou as transformações na Doca e, principalmente, o asfaltamento das vias.
Segundo reportagem do G21, até o dia 11 de novembro, 28 obras foram entregues de forma completa ou parcialmente entre as 37 anunciadas, o que beneficiou 60 bairros. A maior parte das obras foram nos setores de infraestrutura e desenvolvimento urbano, como as reformas no Terminal Portuário de Outeiro e a modernização do Aeroporto Internacional de Belém.
Na avaliação do motorista, não tem como agradar tudo mundo. “Havia um povo daqui torcendo para dar errado, não dá para entender. Eles não gostam da família Barbalho, mas têm que ter obras mesmo, porque o dinheiro está vindo”, frisou. Vale lembras que o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB) foi eleito com mais de 70% dos votos, em 2022.
Para o motorista a COP30 é um presente de Lula a Belém. “Foi ele que teimou e puxou essa COP para cá. O cara está tentando ajeitar e fazer o máximo possível e ainda tem gente que reclama”, lamentou.
BR-316
Uma das obras polêmicas, que não têm diretamente relação com a COP, mas foi atribuída a ela, é a construção da Avenida da Liberdade, na BR316. Segundo o estudante João Gustavo, Belém tem só uma entrada e saída, a BR 316. “Está sendo construída paralelamente a Avenida da Liberdade que está rasgando uma mata virgem”, explica.
Ele frisa que a obra não está relacionada à COP. “O projeto existe há muito tempo, mas como estamos na COP, todo mundo está atacando. Quem é daqui sabe que a grande maioria é a favor da avenida. É um transtorno sair da cidade em horário de pico, a gente sofre. E se Belém crescer? Vai ter que desmatar ou não? São dúvidas que me consomem”, afirma.
Eliziário Alves também é a favor da obra. “Belém é uma ilha e nós só temos uma saída, que é pela região leste. A Avenida da Liberdade vai ser uma nova via para entrada e saída, mas alguns ambientalistas criticam esse caminho. Eles dizem que está rasgando a floresta, é mentira”, disse.
Souza também reitera que a obra não está relacionada com a COP. “A avenida foi projetada nos Anos 90, mas devido a trocas de governo e burocracias ambientais ela foi se arrastando e finalmente a licença foi concedida. O povo está ansioso para que ela seja inaugurada, já está com mais de 80% pronta e será entregue até o final do primeiro trimestre do próximo ano”, complementa.
Até lá, os 50 mil visitantes terão deixado a capital paraense. Como destaca Ana Lídia, esposa de Eliziário e mãe de Cleidiane e Laíz, também universitárias, como grande parte dos jovens entrevistados nesta reportagem –, Belém deixará saudade para as delegações da COP 30.
Orgulhosa do evento na cidade e bairrista assumida, Ana Lídia contou ter sofrido os cinco anos que teve de viver longe da cidade. Em sua avaliação, o Pará está fazendo bonito com os visitantes. “Eles vão sentir falta do tacacá, do bacuri, do filhote. Aqui os peixes são gordos e carnudos, com sabor. E vão acabar voltando”, prevê.























