TikTok, Oracle e Israel: a nova geopolítica dos algoritmos
Compra iminente do TikTok, abençoada pela dupla Trump-Netanyahu, mais uma vez dispara alarmes sobre casamento de interesses econômicos, geopolíticos e militares
Lançado em 2017 pela empresa privada chinesa ByteDance, o TikTok rapidamente se tornou uma das redes sociais mais importantes do planeta. No início de 2025, contava com 1,6 bilhão de usuários ativos, mais da metade deles fora da China, dos quais cerca de 170 milhões são norte-americanos; Uma em cada cinco pessoas nos EUA obtém suas notícias por meio dessa rede, e quatro em cada 10 na faixa etária de 18 a 29 anos. Hoje, é a plataforma que mais cresce entre os segmentos mais jovens da população global.
O governo dos EUA travou uma longa batalha para forçar a ByteDance a vender a filial norte-americana do TikTok para um grupo de capitalistas “domésticos”, citando preocupações com a segurança nacional e ameaçando banir a plataforma nos EUA se o acordo não fosse concretizado. Em 25 de setembro, a Casa Branca anunciou, por meio de uma Ordem Executiva assinada por Trump, “Salve o TikTok Protegendo a Segurança Nacional”, os termos sob os quais a transação ocorreria. De acordo com o documento, o aplicativo nos EUA “será majoritariamente detido e controlado por cidadãos norte-americanos e não será mais controlado por nenhum adversário estrangeiro, já que a ByteDance Ltd. e suas afiliadas deterão menos de 20% da entidade, com o restante detido por certos investidores”. Quem são esses misteriosos “certos investidores” que a Ordem Executiva não menciona diretamente?
Nada menos que um consórcio liderado pela gigante texana Oracle, que já armazenava dados do TikTok nos EUA. Seu principal acionista é um magnata norte-americano de 81 anos que, ao contrário de Elon Musk, é relativamente desconhecido do público: Larry Ellison. Ellison, além de ser o novo proprietário, também assumiria papéis-chave na gestão de segurança, dados e auditoria de algoritmos. Em poucas palavras, ele será o novo chefe da plataforma vertical de vídeos nos Estados Unidos, uma empresa avaliada em US$ 14 bilhões. Mas talvez o aspecto mais relevante do caso não seja o valor da transação, mas suas implicações de longo prazo para o poder. Como afirma um artigo da BBC, “os investidores controlarão o algoritmo que alimenta a versão norte-americana do TikTok, e os norte-americanos ocuparão seis dos sete assentos no conselho de administração que o supervisionará”.
Por que o papel de Larry Ellison é (geo)politicamente relevante e o que Israel tem a ver com isso?
O que é admitido não precisa ser provado, como diz o velho ditado. No dia seguinte ao anúncio, diante de uma plateia de podcasters e TikTokers no consulado israelense em Nova York, um Benjamin Netanyahu contundente declarou : “As armas mudam com o tempo; as mais importantes são as mídias sociais”, acrescentando que a compra do TikTok “é a compra mais importante que está sendo feita agora”. Uma compra que, aliás, havia sido precedida um mês antes pela nomeação de Erica Mindel, cidadã norte-americana e ex-instrutora militar israelense, como a nova Diretora de Políticas Públicas para Discurso de Ódio da empresa. Então, Israel comprou o TikTok? Depende de como você olha para isso. A chave está em Larry Ellison e seus laços com o estado genocida. Então, quem é esse Ellison?
O dono da Oracle – aplicativos em nuvem, bancos de dados e servidores, com 160 mil funcionários ao redor do globo – é atualmente a segunda pessoa mais rica do planeta (atrás apenas de Musk), com uma fortuna avaliada em US$ 350 bilhões (R$ 1,96 bilhão), segundo a Forbes. Ele mora na ilha havaiana de Lanai, que comprou em 2012 por US$ 300 milhões (R$1,68 bilhão); é acionista da X e da Tesla; possui quase 50% da gigante da mídia Paramount-Skydance (incluindo a CBS), avaliada em US$ 28 bilhões (R$156,8 bilhões). Um fato interessante fornecido pela Forbes: “Ellison nunca terminou a faculdade. Ele começou criando bancos de dados para a CIA.” Sua parceira de negócios de confiança: Safra Catz, CEO da Oracle desde 2014, nascida em Israel e, como Ellison, amiga pessoal de… Netanyahu. De acordo com um comunicado à imprensa, “alguns meses antes do início da guerra genocida em Gaza, Catz se encontrou com Netanyahu para discutir a expansão dos projetos da Oracle nos territórios ocupados por Israel”. Mas este não é um incidente isolado. A estreita relação entre o novo dono do TikTok e Israel remonta há muito tempo, tanto que, em certa ocasião, Ellison chegou a oferecer a Netanyahu um assento no conselho de administração da Oracle.

Larry Ellison discursando em uma conferência
Wikimedia Commons
De acordo com dados fornecidos pelo Movimento BDS, em 2019, a Oracle alugou um data center subterrâneo em Har Hotzvim, Jerusalém, para fornecer aos bancos israelenses, fundos de saúde e forças militares serviços de processamento de IA e armazenamento de informações; em 2021, tornou-se a primeira empresa multinacional de tecnologia a vender serviços de nuvem para Israel dentro dos territórios ocupados; em 2022, recebeu soldados e desenvolvedores de software da C41 Corp. do exército israelense para aprender como usar a nuvem da Oracle para fins militares…
Não é por acaso que Catz, a todo-poderosa CEO da Oracle, afirma que “para os funcionários, é claro: se você não é pró-EUA ou pró-Israel, não trabalhe aqui”; nem é surpreendente que alguns de seus funcionários tenham comentado ao The Intercept que “a atmosfera é horrível, as pessoas estão apavoradas até mesmo em mencionar a Palestina”. Segundo a mesma fonte, assim que a retaliação militar de Israel em Gaza começou, em outubro de 2023, Catz exigiu que a inscrição “Oracle Stands with Israel” aparecesse em todas as telas da empresa em mais de 180 países. No mesmo contexto da agressão aos palestinos em Gaza, a Oracle desenvolveu o projeto “Palavras de Ferro”, em colaboração com ministérios israelenses, “para ajudar o país a elevar o conteúdo pró-Israel e combater narrativas críticas no TikTok, Instagram e Twitter”. Em outras palavras, uma arma a serviço da propaganda, naquele teatro de operações que agora se tornou fundamental, como o próprio Netanyahu sabe: a guerra cognitiva. O Intercept também relata que, há um ano, a Oracle fez uma parceria com uma das maiores empresas de defesa de Israel, a Rafael Advanced Defense Systems, em um projeto de IA para fornecer “aos combatentes informações rápidas e úteis no campo de batalha”. Em outras palavras, guerra em terra.
A relação com Trump e sua consolidação como imperador da mídia
Por mais próximas que sejam as relações de Ellison com o Estado de Israel e seu exército (ele também foi um grande doador para a organização norte-americana Amigos das Forças de Defesa de Israel (FIDF), que canaliza milhões de dólares para os soldados israelense), teria sido muito difícil para sua empresa obter a aprovação do governo Trump se seu proprietário não fosse próximo do próprio presidente dos Estados Unidos. Depois de muitos anos doando para ambos os partidos, mas mais próximo dos democratas — um admirador de Clinton, desencantado com Obama — a balança de Ellison começou a pender para o lado republicano, especialmente para sua ala mais radical. Em 2016, ele doou uma quantia significativa para Marco Rubio nas primárias republicanas e, de acordo com a Wired, mais tarde se tornou um “doador confiável e arrecadador de fundos para o Partido Republicano durante os ciclos de 2020 e 2024”, o que lhe permitiu se tornar muito próximo de Donald Trump. Embora talvez um pouco exagerado, um dos assessores de Trump entrevistado por aquele site se referiu ao dono da Oracle como “o presidente sombra dos Estados Unidos”.
De qualquer forma, o certo é que Netanyahu e o amigo pessoal de Trump não ficarão satisfeitos com sua mais recente aquisição dos chineses. A mídia norte-americana tem noticiado nas últimas semanas que os Ellisons, Larry e seu filho/herdeiro David, estão buscando mais. Eles agora estão de olho na aquisição da Warner Brothers Discovery – que inclui a CNN. De acordo com a organização nacional de vigilância da mídia FAIR, se a venda for concretizada, ela “criaria um nível sem precedentes de consolidação da mídia” na história da mídia global, incluindo poderosos canais de notícias, produtoras de filmes, televisão a cabo… ao qual deve ser adicionado o controle sobre o TikTok. O perigo da hiperconcentração do poder da mídia foi apontado por vários grupos. A senadora de Massachusetts Elizabeth Warren alertou que as agências reguladoras deveriam bloquear a potencial fusão “porque é uma perigosa concentração de poder”. Ou, como aponta o professor de sociologia digital Steven Buckley: “Não é sinal de uma democracia saudável quando bilionários compram toda a mídia de consumo cultural”. Por enquanto, independentemente de esta última jogada do clã Ellison se concretizar, sua compra do TikTok, abençoada pela dupla Trump-Netanyahu, mais uma vez dispara alarmes sobre o casamento de interesses econômicos, geopolíticos e militares; justamente em um momento em que a consciência global parece estar despertando para a necessidade urgente de parar as máquinas de guerra de Israel e dos Estados Unidos.
(*) Miguel Ruíz é um sociólogo mexicano-equatoriano. Doutor em Estudos Latino-Americanos (UNAM), foi professor e pesquisador em diversas universidades no México e no Equador. Atualmente, leciona na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas e é membro do Instituto de Pesquisas Econômicas, ambos da Universidade Central do Equador.
(**) Originalmente publicado em Peoples Dispatch























