Sábado, 6 de dezembro de 2025
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A ida da senadora Glesi Hoffmann a Caracas, para a inauguração do novo mandato presidencial de Nicolás Maduro, provocou polêmicas. Essa viagem seria motivo para uma “insurreição dos progressistas” contra o Partido dos Trabalhadores, nas palavras de Mathias Alencastro, em artigo publicado dia 12 de janeiro pela Folha de S.Paulo. 

Para o autor, a posição adotada representaria “ponto de ruptura” com “todos os princípios que nortearam a história do partido”. Decepcionado com o PT, Alencastro reclama que a dirigente petista agravou “o distanciamento com a social-democracia europeia, unânime em sua condenação do regime de Nicolás Maduro”.

Sua crítica, porém, parte de um grave equívoco. O PT, fundado em 1980, embora crítico do modelo soviético, tem suas raízes fincadas na esquerda latino-americana, na luta democrática e anti-imperialista, na solidariedade às revoluções cubana e nicaraguense, na defesa da autodeterminação dos povos. Jamais aceitou se inscrever no campo geopolítico liderado pelos Estados Unidos, ao contrário da maioria dos partidos sociais-democratas europeus. 

“Ponto de ruptura”, portanto, seria a omissão diante do cerco a que está submetido o Estado venezuelano, sob a batuta da Casa Branca e com a cumplicidade tanto da direita continental quanto da União Europeia. Para além das sanções econômicas, que apenas agravam os problemas da população, o rechaço a um presidente eleito e o reconhecimento da Assembleia Nacional como “governo interino” são passos de uma estratégia cujo desfecho potencial é a intervenção militar estrangeira. Possivelmente disfarçada, como de hábito, em “missão de paz” sob a bandeira da OEA. 

Ao se fazer presente em Caracas, Gleisi Hoffmann reforça os fundamentos originais do petismo e denuncia a ameaça principal que paira sobre os povos do continente: a sanha dos grandes grupos capitalistas pelas riquezas naturais da região, representados pelos governos de seus países, dispostos a destroçar qualquer ordem constitucional e atropelar o direito internacional na defesa de escancarados interesses econômicos. 

Subordinados à política externa dos Estados Unidos, quem se distancia da esquerda são os setores da social-democracia que abandonaram bandeiras transcendentais como o respeito à soberania das nações e a denúncia à agressão externa como instrumento de poder. 

Esses mesmos setores, aliás, abraçados às ideias neoliberais e transformados em correias de transmissão das maiores corporações financeiras, atualmente fazem parte da liquefação do Estado de bem-estar social e caminham para a completa desmoralização política, a exemplo do governo Macron, abrindo espaço para a extrema-direita.

Alencastro, a partir de seu eurocentrismo, enxerga renovação em uma via na qual se entulham velharia, desonra e comodismo. Trata-se exatamente do contrário: a postura valente do PT em relação a Venezuela é que ajuda o rejuvenescimento do partido, incorporando-o cada vez mais à resistência contra a onda conservadora e neocolonial que ameaça o planeta. 

* Originalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo

Ao se fazer presente em Caracas, Gleisi Hoffmann reforça os fundamentos originais do petismo

Ao se fazer presente em Caracas, Gleisi Hoffmann reforça os fundamentos originais do petismo