Sábado, 6 de dezembro de 2025
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O impacto da qualificação de genocida, atribuída por Felipe Neto ao elemento que nos desgoverna, merece alguma reflexão. 

Para começo de conversa, 40 milhões de seguidores no YouTube e outro tanto em Twitter e Instagram constituem um plataforma para lá de ponderável.

Mas a decisão de enquadrá-lo na Lei de Segurança Nacional agregou impacto político para além dos seguidores habituais do youtuber, agora convertido em referência de oposição e, consequentemente, em alvo de ataques e ameaças da máquina bolsonarista.

Se a decisão de processar o influenciador foi um erro de avaliação ou um cálculo político é algo a verificar. Por um lado, ampliou de maneira óbvia a solidariedade e a própria difusão do qualificativo. Por outro, desviou, ao menos momentaneamente, a enorme repercussão da inconteste liderança oposicionista que Lula assumiu logo após a – provisória – recuperação de seus direitos políticos. 

Na esfera judicial os efeitos também são diversos. Estimulados pelo próprio Felipe Neto, importantes escritórios de advocacia criaram o “Cala a boca já morreu”, oferecendo apoio jurídico gratuito a todos os que vierem a ser ameaçados de enquadramento semelhante.

Em paralelo, atualiza-se o debate sobre a tipificação penal de genocídio e a consequente eficácia de denúncia a órgãos internacionais, com as inevitáveis divergências e nuances de interpretação, sobretudo entre as definições de genocídio e de crime contra a humanidade.

Talvez estejamos centrados demais na figura do carrasco e deixando em confortável obscuridade quem o colocou e o mantém com o machado na mão

Marcelo Seabra/Ag.Pará

Vitais, agora, são três coisas: vacinas, vacinas e vacinas

Enquanto isso, o novo ministro encarregado de levar adiante a mortandade sanitária cumpre a ordem de visitar os hospitais do país. Não para verificar se há oxigênio, anestésicos ou leitos suficientes, mas para conferir a contabilidade dos óbitos. 

Não sou jurista, mas o senso comum diria que a política do governo para com as comunidades indígenas ou quilombolas atende, sim, à caracterização de genocídio das convenções internacionais. 

Por outro lado, está evidente que a compulsão destrutiva vai além do recorte étnico. Pobres, velhos, maricas e resultados de fraquejadas em geral, também somos avisados de que temos que morrer um dia, porra. Por que não agora, então? Assim não parece menos pertinente a acusação de crime contra a humanidade. 

Mas talvez estejamos centrados demais na figura do carrasco e deixando em confortável obscuridade quem o colocou e o mantém com o machado na mão. 

Enquanto discutimos se o celerado é um psicopata, é incapaz de empatia ou simplesmente um chefão protegendo sua “familícia”, os limpinhos continuam ganhando montanhas de dinheiro com a necropolítica e a necroeconomia. 

Desconfio que Lula tenha razão em sua mensagem para Biden. Vitais, agora, são três coisas: vacinas, vacinas e vacinas. Inclusive para poder aglomerar e gritar Fora Genocida!

(*) Carlos Ferreira Martins é professor titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP São Carlos.