Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Dia 04 de agosto passa a ser considerado um dia histórico na política colombiana: a Suprema Corte de Justiça ordenou a prisão domiciliar do ex-presidente Álvaro Uribe. Essa decisão é decorrente das acusações de que Uribe teria subornado ex-paramilitares, interferindo nos testemunhos para que não o envolvessem em casos com os extintos grupos de autodefesa. É a primeira vez que é decretada prisão domiciliar para um ex-presidente da República. Também é a primeira vez a que a blindagem do poder político de Uribe não interfere no avanço de um processo. 

A decisão da Corte sinaliza uma maior autonomia do Judiciário e demonstra um fortalecimento institucional do país. Hoje, a figura de Uribe não é mais intocável. Esse não é o único processo contra o ex-presidente, nem mesmo a primeira denúncia da relação de Uribe com o paramilitarismo. 

O Estado colombiano é complexo e sua história é permeada pela presença da violência. Na Colômbia, não existiu uma ditadura militar regular – como vimos em outros países da América do Sul -, porém, por décadas, o Estado foi comandado por uma ditadura democrática das classes dominantes. Uribe é um ator determinante para entender a Colômbia. O ex-presidente representa a política da guerra: em seu governo, de 2002 a 2010, intensificou-se a militarização e guerra contra as guerrilhas, com a ajuda e influência militar dos Estados Unidos. Desde o início dos Diálogos de Paz, Uribe foi o inimigo daqueles que reivindicavam o fim da violência e se posicionou contra a negociação de Havana.

O uribismo atravessa décadas na Colômbia. É um poder político, econômico e militar que, por inúmeras vezes, conseguiu pressionar a justiça e escapar das denúncias de crimes. Uribe representa as máfias regionais, os poderes dos paramilitares e latifundiários do país. Possui muitas alianças, de forma que sua prisão não decreta seu fim, e sim o início de fragilização de seu poder. Hoje, na correlação de forças, Uribe perde. Porém, isso não ocorre de um dia para outro. Há fatos importantes que demonstram que a Colômbia resiste em algumas esferas. 

Em 2010, se inicia a proposta dos Diálogos de Paz. Isso dá origem a espaços democráticos de debate e à mobilização de movimentos críticos à narcopolítica. No ano de 2016, a assinatura do Acordo Final de Paz, em Havana, Cuba, foi resultado de muitos esforços políticos e avanços no debate sobre a paz. A eleição de 2018 também provou que uma proposta alternativa ao uribismo tem grande apoio popular, não necessariamente de esquerda, mas de defesa pela paz. 

Decisão da Suprema Corte de Justiça sinaliza uma autonomia e demonstra fortalecimento institucional do país; hoje, a figura de Uribe não é mais intocável

Casa de América/Flickr

Na terça-feira (04/08), a Suprema Corte de Justiça colombiana ordenou a prisão domiciliar do ex-presidente Álvaro Uribe

Gustavo Petro, candidato que ficou em segundo lugar na corrida presidencial de 2018, se comprometeu com a paz e defesa do Acordo Final de Paz. Em 2019, a Colômbia vivenciou um grande levante popular, organizado por diversos movimentos sociais e com muita base social. As manifestações eram contra a violência de Estado, o retrocesso ao Acordo de Paz e ao avanço do neoliberalismo no governo de Iván Duque.

Iván Duque, atual presidente da Colômbia, é afilhado político de Uribe, membro do partido Centro Democrático, criado pelo ex-presidente. Nos últimos dias, o governo de Duque fez pressão contra a Suprema Corte e na terça-feira (04/08), após a notícia de prisão, defendeu publicamente Uribe, declarando que o ex-presidente é uma figura importante e honrada. 

A sociedade colombiana está polarizada, há muitos setores críticos ao uribismo, mas ele ainda possui sua base política aliada. Não será uma disputa fácil: a extrema direita utiliza esse momento para atacar novamente o tema da guerrilha e da paz. Uribe insiste em golpear o Acordo de Paz e intensifica o discurso de que os verdadeiros inimigos são as guerrilhas. Há uma grande propaganda desse setor que promove a visão de que as FARC são formadas por assassinos e estão injustamente no congresso, enquanto Uribe, um líder político inocente, está preso. 

Nas disputas de narrativas, Uribe expõe uma carga emocional, em uma estratégia de manipular a opinião pública. A intenção da direita é polarizar ainda mais o cenário político, definindo a prisão como uma grande injustiça.

Os movimentos sociais e forças políticas da oposição comemoram a prisão de Uribe e declaram que hoje finalmente as vítimas respiram. Para a Colômbia, é um dia de esperança, que marca na história oficial a versão e narrativa de Uribe como ator político vinculado ao paramilitarismo e narcotráfico. 

Por fim, nos resta a pergunta: o Estado colombiano ainda controla todos? Uribe é o homem por trás de Ivan Duque e a sociedade colombiana está polarizada. As análises políticas não podem ser feitas de forma linear, há nuances e contradições. Na disputa política, existem diversas batalhas. A desta semana foi vitoriosa para as forças que resistem e lutam há décadas por um Colômbia pacífica e autônoma. É um grande passo, mas não o fim. A luta continua e um dia a paz vencerá!