Além de suavizar discurso, Jara cogita se afastar do PC caso passe ao segundo turno
Candidata do Partido Comunista lidera pesquisas no Chile, mas deve enfrentar adversário de extrema direita no segundo turno
O primeiro turno das eleições presidenciais do Chile, neste domingo (16/11), pode consolidar o cenário inédito de uma candidata presidencial do Partido Comunista (PCCh, por sua sigla em espanhol) chegando ao segundo turno, talvez com a maior votação.
Quem pode alcançar essa façanha é Jeannette Jara, ex-ministra do Trabalho do governo de Gabriel Boric, que aparece liderando em todas as pesquisas realizadas nas últimas seis semanas.
Porém, manter essa liderança tendo que defender um governo mal avaliado obrigou a candidata a mudar a estratégia utilizada em sua vitória nas prévias governistas, realizadas em junho passado, se adaptando a um cenário no qual os adversários não eram mais figuras da centro-esquerda, mas sim três candidaturas da extrema direita local.
Jara se tornou candidata em junho deste ano, após vencer as prévias governistas com 60,17% dos votos, impondo uma ampla margem sobre a candidata de centro-esquerda Carolina Tohá, do Partido Pela Democracia, que ficou com 28,07%.
Assim, ela se tornou oficialmente a candidata da coalizão Unidade Pelo Chile, que também reúne o Partido Socialista, o Convergência Social (partido do presidente Boric) e a Federação Regionalista Verde, entre outras forças de centro-esquerda.
Segundo o analista político e ex-ministro Francisco Vidal, a principal mudança na estratégia foi “o ajuste do programa à uma base de apoio mais ampla, que foi além do Partido Comunista”.
“Jara conseguiu reunir grupos que não faziam parte do governo, desde o histórico Partido Democrata Cristão, de centro e por vezes conservador, até organizações de esquerda críticas ao governo do presidente Boric”, acrescentou Vidal, que foi ministro da Defesa durante o governo de Michelle Bachelet (2006-2010), e do Interior no governo de Ricardo Lagos (2001-2006).
O analista político ressaltou que “com esse novo cenário, a candidatura passou a contar com o apoio de nove partidos, o que permitiu a Jara alcançar um público muito maior, liderar as pesquisas e manter um crescimento constante ao longo da campanha”.
Militância comunista
Outra questão importante, mas que foi apenas cogitada no primeiro turno, foi com respeito à filiação da candidata ao Partido Comunista.
Em uma entrevista à Rádio Cooperativa, durante a campanha, Jara chegou a admitir que cogita renunciar ou suspender sua filiação partidária caso passe ao segundo turno.
“É bem provável, porque a verdade é que vejo que durante a campanha muita controvérsia foi gerada em torno disso”, afirmou na ocasião.
Voto jovem
Para o ex-ministro, a mudança na estratégia de Jara consistiu em uma alteração tática em três frentes: uma ampliação do tom, maior intervenção na mídia tradicional e uma atuação digital voltada para conquistar o voto jovem.
Algumas pesquisas apontaram que a candidata possui vantagem entre os menores de 30 anos, o que inclui pessoas que vivenciaram a revolta social de 2019 e que atualmente se expressam mais pelas redes sociais do que pelas estruturas partidárias.
“A campanha desenvolveu uma série de produtos audiovisuais dinâmicos, transmissões ao vivo e públicos microsegmentados que a posicionaram como a opção para um progressismo amplo, para além dos simpatizantes do governo atual, o que é importante no enfrentamento de uma extrema-direita dividida, mas que é forte nas urnas”, avaliou Vidal.

Jeannette Jara é a candidata da coalizão Unidade Pelo Chile nas eleições presidenciais deste domingo (16)
Mauricio Leandro Osorio
Segundo o ex-ministro, “esse voto (dos jovens), juntamente com o dos eleitores indecisos, será fundamental para o resultado final deste domingo, já que esta será a primeira eleição presidencial realizada no Chile com um novo sistema de voto obrigatório”, analisou o ministro.
O voto obrigatório será uma das novidades das eleições deste ano, já que entre 1989 – ano em que ocorreu a primeira eleição pós ditadura – e 2009, o voto era obrigatório no Chile, mas a inscrição eleitoral não era. Ou seja, as pessoas podiam ou não fazer sua inscrição no Serviço Eleitoral (Servel), mas uma vez inscritas eram obrigadas a votar, e se não eram inscritas não tinha direito a voto em nenhuma eleição.
A partir de 2012, passou a valer, para as eleições municipais daquele ano, a Lei de Inscrição Automática, ou seja, todos os cidadãos passaram a ser automaticamente inscritos no Servel a partir dos 18 anos, e com isso o voto passou a ser facultativo.
Desta vez, o voto será obrigatório e todos os maiores de 18 anos estão automaticamente inscritos, o que configura um cenário de voto obrigatório para todos, algo inédito no país.
Segurança pública e paralelo com Lula
Outra dificuldade da campanha de Jara foi a abordagem sobre o tema da segurança pública, apontada pelas pesquisas como uma das maiores preocupações da população e que costuma ser um tema favorável à direita tradicional e à extrema direita.
Sobre isso, Vidal alertou que esse deve ser o grande desafio da candidata comunista no provável segundo turno. Para ele, “a direita não cresceu por causa do eleitorado dos municípios ricos, como no passado, e sim porque conseguiu penetrar nos municípios da classe trabalhadora devido à questão da segurança”.
“Jara precisa apresentar medidas concretas de segurança que convençam a classe trabalhadora, sem abrir mão de uma agenda econômica que garanta um padrão de vida digno sem precisar recorrer ao crédito”.
Ademais, o analista político defende que Jara deve adotar um discurso como o de Lula em 2002, “quando o presidente brasileiro ganhou sua primeira eleição prometendo que os brasileiros fariam refeições por dia”.
“Esse tipo de mensagem, direta e fácil de entender, é o que a candidata precisa usar para vencer a extrema direita”, frisou.
Com informações de Rádio Cooperativa.























