Plano de Trump pode aumentar deslocamento forçado dos palestinos, diz Francesca Albanese
Em entrevista exclusiva com Breno Altman, relatora especial da ONU pede que Brasil corte relações com Israel, ‘começando com embargo de armas’
A edição do programa 20 MINUTOS desta quarta-feira (19/11) é realmente especial já que sua convidada tem esse adjetivo na descrição do seu cargo.
Se trata da jurista italiana Francesca Albanese, que trabalha desde 2022 como relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para os territórios palestinos ocupados, e que tem se mostrado, desde outubro de 2023, uma das mais aguerridas denunciantes dos crimes de lesa humanidade cometidos por Israel na Faixa de Gaza, os quais ela não titubeia em classificar como “genocídio”.
Entre os diferentes temas abordados pelo jornalista Breno Altman, fundador de Opera Mundi e condutor da entrevista, está o acordo de cessar-fogo assinado em outubro, o qual Albanese considera que “não produziu vencedores nem perdedores”, já que, segundo ela “houve um cessar-fogo, mas o fogo não cessou, pois há mais de 250 palestinos que foram mortos desde o início da trégua”.
Perguntada sobre as possíveis consequências do acordo, Albanese disse: “acredito fortemente que este cessar-fogo pode alcançar o que o genocídio não conseguiu: o deslocamento forçado de outros palestinos da terra, não dando a eles os meios para sobreviver, ou até para reconstruir – por exemplo, impedindo o cimento de entrar (em Gaza). É disso o que eu realmente tenho muito medo”.
A relatora especial da ONU também falou sobre o Brasil, e disse que o país – assim como a Rússia e a China – deveria “cortar laços com Israel, começando com um embargo de armas, até o encerramento dos acordos de livre comércio e todos os laços comerciais”.
Leia abaixo um trecho da entrevista de Francesca Albanese para o 20 MINUTOS:
Breno Altman: Qual é a sua avaliação do cessar-fogo liderado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump? Quem ganha e quem perde?
Francesca Albanese: Não acho que haja vencedores e perdedores em uma situação de conflito ou em uma situação de genocídio. […] O cessar-fogo não é realmente um cessar-fogo. Reconheço ao presidente Trump o mérito de ter exercido algumas restrições sobre os israelenses. Mas, no fim das contas, acredito que os laços entre os Estados Unidos e Israel não concedem aos palestinos qualquer forma de liberdade no futuro. Sim, houve um cessar-fogo, mas o fogo não cessou, pois há mais de 250 palestinos que foram mortos desde o início da trégua. Israel continua ocupando mais de 50% da Faixa de Gaza e não pretende sair. A ajuda, os 600 caminhões [diários] de ajuda prometidos no acordo não estão sendo cumpridos, e precisam alimentar os dois milhões de pessoas, menos de dois milhões agora, pessoas que estão sem casa, sem comida, sem acesso à água potável, sem acesso a hospitais. Quero dizer, a situação em Gaza está além do desespero. Já estava mal antes de 7 de outubro, agora é algo inimaginável. Então, há tanta coisa que não é apenas não resolvido por este cessar-fogo, mas agravado quando eles pensam, por exemplo, em criar uma tutela, na qual haveria os norte-americanos e [o ex-ministro britânico] Tony Blair como vice-rei. Não, isso não parece bom para os palestinos, para seu direito à autodeterminação, pelo direito internacional, porque o Tribunal Internacional de Justiça se pronunciou e disse que a ocupação deve ser totalmente e incondicionalmente desmantelada, porque é ilegal e equivale a segregação racial e apartheid. Portanto, a única coisa legal que Israel deveria fazer é retirar as tropas, desmantelar as colônias, não construir novas em toda a totalidade do território palestino ocupado e fazer reparações aos palestinos pelos danos causados ao longo de quase 60 anos de ocupação ilegal.
O Hamas e o governo de Netanyahu estão verdadeiramente comprometidos com o cessar-fogo?
Não acho que o governo israelense esteja minimamente comprometido com o cessar-fogo, e se eles dizem que são contra a autodeterminação palestina, contra a ideia de um Estado palestino, então isso fica bastante claro. No meu parecer, o que esse governo israelense quer, e digo isso pelo componente colonizador do governo – e é claro que esse governo não pode ir para nenhum outro lado se quiser manter o poder –, é continuar a anexar terras, oprimir o povo palestino, para persuadi-los a ir embora, de uma forma ou de outra. Acredito fortemente que este cessar-fogo pode alcançar o que o genocídio não conseguiu: o deslocamento forçado de outros palestinos da terra, não dando a eles os meios para sobreviver, ou até para reconstruir – por exemplo, impedindo o cimento de entrar (em Gaza). É disso o que eu realmente tenho muito medo.
Dado o repetido desrespeito de Israel por decisões internacionais, a ONU e o Tribunal Internacional de ainda têm relevância real?
Depende. Acho que a ONU é mais necessária do que nunca. A ONU, como organização, é mais relevante, é mais necessária do que nunca para preservar o espaço multilateral que tem permitido evitar uma terceira guerra mundial, por exemplo. Para preservar a paz, e a estabilidade. Acho que este é o pior momento, o pior momento existencial para as Nações Unidas desde a sua criação. […] É muito claro que os Estados Unidos estão exercendo uma nova fase do seu imperialismo, seu controle e domínio sobre o mundo, não apenas na América Latina, mas também no Oriente Médio. Existe há muito tempo um plano para controlar o Oriente Médio, e agora está claro que, através de Israel, isso está realmente sendo colocado em prática.
Nas suas investigações, a senhora encontrou provas ou indícios envolvendo empresas brasileiras no fornecimento de armas ou matérias-primas utilizadas contra o povo palestino?
Sim. Eu investiguei a Petrobras, que é uma das empresas que permitiu o impulsionamento da máquina de matar de Israel durante o genocídio, e isso continua. É interessante que o Brasil, a África do Sul e a Colômbia são os três Estados que têm sido os mais expressivos contra o genocídio, e também são os que mais transferem esses recursos naturais que impulsionam a economia de Israel e, na verdade, impulsionam o poder militar de Israel. É interessante porque é aqui que você vê o dilema do mundo atual. Eu não acho, por exemplo, que esses países sejam hipócritas porque dizem uma coisa e depois fazem outra. É realmente a natureza da modernidade dos Estados, na qual existem poderes econômicos que fazem o que querem. Na Colômbia, o presidente [Gustavo Peto] ordenou o fim da transferência de carvão para Israel. E isso continuou porque a empresa local, Drummond Ltd., estava transferindo o combustível fóssil a qualquer custo. Então, ele [Petro] aprovou um decreto. Mas, novamente, as empresas são tão poderosas que podem contornar as leis e as autoridades, associando-se a máfias locais ou exercendo poderes através dos seus lobbies nos países. Este é o dilema que percebi, Breno, através deste relatório sobre a economia de ocupação, que se transformou em uma economia na qual, na verdade, os Estados são, de certa forma, uma ficção que mascara o poder que exercem as multinacionais e interesses multinacionais particularmente ligados aos recursos naturais, exploração de recursos naturais, controle de armas, controle de grandes finanças e controle de algoritmos.
Você acha que o Brasil, a Rússia e a China poderiam fazer mais contra o genocídio palestino?
Sim. Todos eles, todos eles. Este genocídio é um crime coletivo. Está sendo sustentado por partes e parcelas dos Estados-membros que não estão fazendo o que deveriam fazer, que é cortar relações com Israel. Então, a China, a Rússia, o Brasil e todos os outros Estados que desejam estar em conformidade com o direito internacional, que realmente apoiam o povo palestino, precisam cortar laços com Israel, começando com um embargo de armas, até o encerramento dos acordos de livre comércio e todos os laços comerciais.























