Sábado, 13 de dezembro de 2025
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Convidado do programa 20 MINUTOS desta quarta-feira (31/08), em entrevista ao jornalista Breno Altman, o economista Ladislau Dowbor defendeu maior regulação estatal do sistema financeiro brasileiro e um teto de juros que contenha a agiotagem praticada pelos bancos privados e seguida pelos bancos públicos. O sistema em vigor, que ele define como extrativista, paralisa a economia brasileira ao matar o poder de compra das famílias e a capacidade de investimento produtivo das empresas.

“O Brasil está sendo drenado numa aliança de grupos nacionais que são clientes do grande sistema financeiro internacional”, descreve o modelo vigente, destacando que “Lula tem perfeita razão nisso, a volta ao desenvolvimento e ao uso do dinheiro para nossas necessidades passa pelo resgate da nossa soberania”.

Segundo Dowbor, a economia brasileira atual funciona apenas nos setores da exportação de bens primários e da intermediação financeira. “Nenhum dos dois ajuda no resgate da dinâmica de desenvolvimento.”

Autor do livro Resgatar a Função Social da Economia: Uma questão de dignidade humana, que será lançado em setembro, o especialista detalha o extrativismo financeiro no país: “A taxa de juros de julho de 2022 no comércio foi de 86,69%, segundo Associação Nacional de Executivos de Finanças, nada de esquerda. Na França é de 5% a 6% ao ano. Não existe juro ao mês, inventaram isso para as pessoas não conseguirem comparar”. 

Dowbor traduz o efeito da manutenção de juros exploratórios:  “Nesse sistema, um banqueiro comenta assim: 'Nós ganhamos dinheiro emprestando para você com juros o dinheiro que é seu’”. 

Questionado sobre o fato de recursos públicos liberados na pandemia ficarem represados pelo cartel de bancos privados formados por Bradesco, Itaú e Santander, mais os estatais Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, ele responde que “se há uma situação catastrófica e a máquina de intermediação financeira, que são os bancos, simplesmente senta em cima do dinheiro e fica cobrando juros, esse sistema se tornou simplesmente disfuncional”. O economista lembra ainda que “Paulo Guedes comentou que o dinheiro ficou empoçado, com cê-cedilha, nos bancos. Isso é um escândalo.”

O modelo neoliberal rompeu a ligação entre o sistema financeiro e o fomento econômico, e contra essa lógica Dowbor defende bancos municipais e comunitários: “Você se torna conhecedor da situação econômica da comunidade e ajuda a fertilizar investimentos com o dinheiro”. 

Para ele, é imprescindível a revogação da independência do Banco Central: “É um organismo regulador do sistema financeiro, Banco Central que está nas mãos dos bancos é uma piada. Eles chamam de autorregulação. É uma bandidagem”.

Economista defende bancos comunitários e teto de juros contra agiotagem e diz que é imprescindível revogar independência do Banco Central; veja vídeo na íntegra

Facebook/Ladislau Dowbor

Economista Ladislau Dowbor defende maior regulação do sistema financeiro brasileiro

O economista remonta à supressão, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, de termos do artigo 192 da Constituição de 1988, que configurava crime de usura para instituições financeiras que praticassem taxas de juros reais superiores a 12% ao ano. 

“Em termos de Constituição, esses bancos são simplesmente fora da lei. O bancos batalharam e conseguiram tirar da Constituição. Isso gerou uma legalidade da usura, que é crime e dá cana em muitos países.”

Ele define como “interessante” a tentativa da então presidenta Dilma Rousseff,  de baixar as taxas de juros dos bancos estatais esperando forçar as instituições privadas a seguirem o mesmo caminho. O impeachment encerrou o experimento e a “década dourada do Brasil”, como classifica o período 2003-2013. 

“O resultado é que eles tomaram o poder, deram um golpe em nome de restabelecer o equilíbrio fiscal, e o desequilíbrio fiscal aumentou de maneira dramática. O equilíbrio se faz aumentando as receitas e não reduzindo o que o Estado tem de fazer”, argumenta.

Dowbor chama atenção para o estado de virtualização do sistema financeiro global: “97% do dinheiro do mundo são apenas sinais magnéticos. Apenas 3% é dinheiro impresso pelos governos”. Esse processo, segundo ele, facilita a extração via juros, imperceptível para a maioria dos cidadãos. 

“Se você compra pão na modalidade de crédito, 5% vai para os bancos”, exemplifica. A virtualização serve mais amplamente ao modelo de capitalismo financista: “Antigamente era preciso levar malas de dinheiro e passar pelo sistema de controle dos aeroportos. Hoje em dia, o sinal magnético gera todo o sistema especulativo planetário. Segundo a Economist, 60% dos lucros das multinacionais estão em paraísos fiscais”. 

Outro efeito da política econômica pós-golpe é o endividamento das famílias e das empresas. “Temos hoje mais de 60 milhões de adultos enforcados em dívida, 25% em bancarrota. Os bancos dizem que os juros são elevados porque temos alta inadimplência. Vi dados de ontem, a inadimplência no Brasil é de 2,7%.” 

Ladislau Dowbor critica a estratégia de culpabilizar a população que mantém seu dinheiro nos bancos: “O cara está sendo explorado por taxa de juros, endividado, e lhe dizem na televisão que ele não tem educação financeira. Ele tem que aprender a se endividar de maneira competente. Ninguém consegue. Ninguém nunca teve uma aula sobre como funciona cartão de crédito, juro composto, como evitar endividamento”.